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Discurso aos formandos em História na cerimônia de 28 de março de 2023

29/03/2023 11:18

Tive a honra de ser convidado para ser Paraninfo da turma 2022/2 do Curso de História da UFSC:

Queridos(as) formandos(as)

O momento é de congratulação e de vitória, por vocês terem cumprido uma longa trajetória de estudos para a formação de historiadores. Como Bacharéis e Licenciados em História vocês possuem condições para pesquisar a História e transmitir os conhecimentos adquiridos. Mas a educação não é apenas transmissão de conhecimentos, é uma capacidade imponderável de interagir com o mundo e com as pessoas que nos proporciona alegrias e satisfações.

Esta turma passou pela pandemia de covid 19 e adaptou-se, durante alguns semestres, a formas de ensino remota que se não são as mais adequadas, mas eram as disponíveis naquele momento e agora vocês encontram-se prontos para enfrentar a missão de historiadoras e historiadores. É óbvio que qualquer um de vocês pode se indagar secretamente: será que estou mesmo pronto como profissional?

Saibam que profissionais com décadas de trabalho também se perguntam da mesma maneira. A rigor, nunca estamos prontos, pois sempre há algo a aprender no vasto campo de nossa atuação e na riqueza de nossa ciência e arte, que está sempre em renovação. Mas vocês já dispõem das ferramentas para caminhar por conta própria e construir seus caminhos profissionais. Para os que não forem trabalhar com a História, penso que esta formação sempre será importante para sua vida, independente do destino. De qualquer maneira, sempre tenham a UFSC como sua casa, retornem para cá, participem de nossos eventos, da atividade dos Laboratórios de pesquisa e da pós-graduação.

Nossa área de conhecimento tem a capacidade de constante aumento da inteligibilidade da ação humana no planeta. A cada geração antigas fontes revelam novas respostas, tendo em vista a constante mobilidade das perguntas. Conhecer bem o presente só é possível com a História, assim como só podemos conhecer a História questionando nosso presente. A mútua inteligibilidade entre passado e presente faz parte de nossa formação e nossa vida profissional.

Nos últimos anos nunca foi tão fácil argumentar pela relevância e a utilidade da História como área de conhecimento fundamental para a cidadania, a democracia e a luta por uma vida melhor. Infelizmente a História ganhou relevância pelos lamentáveis ataques e crimes desferidos contra a democracia. Passamos por um terrível período de perseguição à ciência, a memória e à Universidade. Não podemos considerar esta situação completamente superada, tendo em vista a força política alçada por admiradores do nazi-fascismo entre significativos contingentes da população. Nós, professores de História , nos perguntamos: Como chegamos a este ponto? Como pode alguém negar o Golpe Militar de 1964 e os 21 anos de Ditadura que se seguiram? O negacionismo histórico vai muito mais fundo: negaram os quase 400 anos de escravidão africana e o genocídio dos povos indígenas. O negacionismo não é apenas uma atitude de ignorância inocente. Ele é base para a manutenção de políticas de privilégio aos de sempre, o negacionismo é um patamar para a reprodução de injustiças e para que se renovem a opressão e a exclusão de milhões.

Aqui em nossa casa, a UFSC, também temos tarefas a cumprir, como deveres de memória. Nossa Instituição, como outras Universidades brasileiras, foi alvo da ação por parte de órgãos de informação e espionagem, durante a Ditadura Militar. Professores, técnicos e estudantes foram perseguidos. Em muitos momentos, os órgãos de repressão contaram com a covarde colaboração de autoridades internas para perseguir, prender e torturar. Determinados indivíduos, homenageados por nossa Instituição, delataram colegas e colaboraram abertamente para o arbítrio da Ditadura e para o silenciamento e perseguição de estudantes. A UFSC formou uma Comissão da Memória e Verdade que pesquisou e levantou estes abusos e ilegalidades. O Relatório Final da Comissão faz algumas recomendações que ainda hoje estão a espera de uma decisão do Conselho Universitário para serem implementadas. Que façamos isso por aqui. Não há como esquecermos destes crimes, fingir que não aconteceram só fertiliza o terreno para que novas iniciativas antidemocráticas tenham curso. Se o Brasil tem um encontro marcado com o seu passado, a UFSC também. Precisamos acertar as contas com o passado para poder caminhar para a construção do futuro.

Quanto a nós, Historiadores, agora me dirijo a vocês como colegas, tenham em mente a nossa responsabilidade como profissionais de História, nunca deixem que as forças criminosas do passado voltem a governar nosso país e as mentes da nossa juventude.

Desejo uma jornada profissional com alegrias e realizações!

Boa noite!

Discurso de Adeodato

17/03/2023 11:52

O que há de errado no mundo?
A fala final de Adeodato, o último chefe rebelde na Guerra do Contestado, dizendo aos caboclos para dispersarem, pelo texto de Romário Borelli, é quase profética para o tempo que vivemos.
Em período de derrota e dispersão, as pessoas não devem “se render por dentro” nem esquecer suas experiências (aquilo que “se traz atrás dos olhos”).
“Tamo cercado…Aqui se costuma dizê que um home não morre quando tem companhero. Mais agora os companhero se arretiraro quage tudo, uns pra cova, os otro se escondero ô se entregaro… é o fim. Meceis se espraiem se ainda dé. Que ninguém se arrependa do grito que deu, que foi bem dado. Eu, nascido e criado aqui nos mato, não sei dizê o que tá errado no mundo, que pouco vi… mais arguma coisa tá muito errada. Se meceis que vão segui por aí, um dia pudé descobri e pudé conserta, se arreúna e conserte, que vale a pena. Vale a vida inté. Porque nóis não semo bandido, nem matemo por gosto, porque pelo memo impurso e pela mema ânsia nóis enfrentemo o risco de morte, sofremo e morremo. Se um home se alevanta e diz: ‘Vô morrê se fô perciso’, pode não sê bonito, nem muito religioso, mas só acontece porque arguma coisa tá muito errada antes disso. Peço que vanceis me perdoe os grito e os comando de guerra, peço que vanceis se espaiem…. pode se espaiá por aí, pode inté se intregá… mas não se renda por dentro, não se conforme. O Zé Maria já dizia: ‘Eu trago atrais dos zóio coisa que não posso revelá!’ Vanceis pode sê como o profeta, inté que dê pra revelá”. Romario Borelli O Contestado. Curitiba: Orion, 2006. p. 139, 140.

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