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Uma jornada de aprendizagem
Publicado em 02/12/2016 às 0:09O Centro de Filosofia e Ciências Humanas da UFSC esteve, entre os dias 4 e 29 de novembro, sob ocupação estudantil. Estou no meio universitário como estudante e professor desde 1979 e nunca tinha visto um movimento como este. Já vi e participei de dezenas de greves, ocupações de RUs e Reitorias, mas nunca tinha visto algo parecido com o que aconteceu. Os estudantes estavam inspirados pelo movimento nacional de resistência às medidas de ataque que o governo federal implementou contra a educação e o país. O movimento começou muito forte, com uma assembleia de mais de 500 participantes que deliberou pela greve e ocupação com o bloqueio do prédio de aulas e de toda a parte administrativa que incluía salas de professores, secretarias, Laboratórios e Núcleos. O clima era um pouco catártico, com fortes demonstrações de voluntarismo, desprendimento e idealismo, com grande capacidade de auto sacrifício e de compartilhamento, por quase 1 mês, de uma alimentação precária, sono difícil, turnos de revezamento, banhos frios e muitas rodas de debate, aulões e assembleias. Desde o primeiro dia os estudantes organizaram-se em diversas comissões, que tratavam dos mais diferentes aspectos como segurança, alimentação, limpeza, atividades culturais, etc. Uma reunião diária era momento para definições e pequenas deliberações, entre uma assembleia e outra. As estruturas tradicionais do movimento estudantil como os Centros Acadêmicos e o DCE não tinham autoridade sobre o movimento, que apresentou forte participação de estudantes de primeiros semestres dos 10 cursos de graduação que acontecem no CFH.
Nos primeiros dias muitos professores e técnicos, mesmo pessoas que apoiam o movimento dos estudantes, sentiram-se surpreendidos e, de certa forma, incomodados pela atitude radical dos estudantes. É fácil compreender esta reação automática de quem é barrado por tentar retomar sua rotina de trabalho. Os professores eram escoltados por estudantes até suas salas e só entravam nelas pontualmente, para pegar algum documento ou material. Muitos vieram procurar a Direção do Centro para pedir “medidas enérgicas” que garantissem o “direito de ir e vir”. Logo entenderam que não se tratava de buscar medidas de força, mas sim de procurar entender e apoiar o movimento dos estudantes que, em última instância, não era apenas “dos estudantes” já que eles estavam lutando pela educação como um todo. Eles lutaram por todos nós. Durante o ano o país ficou assistindo bestializado um golpe político que rasgou a Constituição e anulou 54 milhões de votos e as pessoas ainda se perguntavam se era ou não legítima uma resistência a tudo que tem acontecido. Entregaram o pré-sal, desmontaram a LDB e agora desvinculam receitas da Educação e Saúde (em breve, detruição da previdência e desmonte da CLT).
Dentro do prédio ocupado os estudantes foram construindo uma relação horizontal com os trabalhadores terceirizados da limpeza, segurança e portaria. Funcionários da limpeza mostravam aos estudantes como limpar corredores, salas e banheiros e eles mesmos assumiram a maior parte destas tarefas. O prédio também teve alguns benefícios, como torneiras e lâmpadas trocadas, cuidado com o patrimônio e até a pintura final das paredes para tirar os grafites. Francamente é discutível a eficácia deste movimento para barrar a PEC 241, mas ainda é muito cedo para avaliar os efeitos a médio e longo prazos desta jornada. Trata-se de uma nova cultura política, ainda não muito bem definida, que defende um protagonismo direto, uma atitude niveladora e um movimento que não procura o domínio de estruturas, mas sim uma profunda reflexão sobre nossa vida e nosso trabalho. Por muitos anos ouvi em assembleias pessoas dizendo que era necessário se inventar formas alternativas de luta, que nossas greves tradicionais estavam desgastadas e haviam caído no vazio. Bem, há algo de novo aparecendo. Bora lá aprender.
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Discurso aos formandos de História e Filosofia, 2016/1
Publicado em 08/09/2016 às 11:13Queridos Formandos de História e Filosofia
Gostaria de parabeniza-los por este momento especial, de fechamento de um ciclo da vida, de conclusão dos cursos de Filosofia e História, duas áreas de conhecimento gêmeas, que nasceram há mais de 2.500 anos para estudar e entender o mundo, sob diferentes prismas, e que estão presentes em nossa Universidade antes mesmo de sua fundação.
A Faculdade Catarinense de Filosofia, criada em 1951, foi a base inicial destes cursos, que formam profissionais há mais de 60 anos. A homenagem que vocês prestam ao Professor Walter Fernando Piazza representa um justo reconhecimento desta longa trajetória. Fico honrado por me nomearem como Patrono da turma de História, entendendo este ato como uma homenagem a todos os colegas professores(as) do Curso.
Sabemos que mesmo formados vocês deverão continuar com seus estudos, com aperfeiçoamentos e até com a possibilidade de continuar na Universidade para a pós-graduação. Tenham a UFSC como sua casa e retornem sempre que for possível. Apesar de nossas limitações, sempre teremos um corpo de profissionais disponíveis para atendê-los. A Universidade também aprenderá com as suas experiências e demandas .
Vocês estudaram numa Instituição Pública mantida pelo povo brasileiro, façam que sua formação recebida retorne, de alguma maneira, em benefício da população, principalmente das camadas mais pobres e excluídas, que demandam atenção especial. A Universidade é gratuita para os estudantes porque se trata de um investimento para a nação.
Vivemos hoje um momento muito difícil para a educação, em todos os níveis. As políticas privatistas e excludentes, defendidas por setores influentes da grande mídia, do lobby privado dos negociantes da educação e de políticos oportunistas, criaram um ambiente hostil ao desenvolvimento de uma educação livre, crítica e cidadã. É nossa obrigação, tanto como educadores, mas também nas condições de Filósofos e Historiadores, fazer com que nossa experiência de trabalho resulte numa melhoria de vida de nossa população. Isto só pode ser feito se a educação buscar estimular não apenas a transmissão do conhecimento, mas um processo de ensino e aprendizagem que favoreça a autonomia, o pensamento crítico, a inclusão, o respeito à diversidade e a democracia. Penso que a homenagem dos formandos de Filosofia ao professor Selvino José Assmann representa isto: a defesa de uma educação cidadã e inclusiva.
Mas estas visões hoje correm sério risco. Não são poucos os fundamentalistas a empunhar campanha contra o ensino de histórias e culturas indígena e africana, como se fossem apologia de entidades demoníacas. O ataque à laicidade do estado e da educação é uma grande ameaça de nosso tempo. Ameaça não só a ciência como também a própria liberdade religiosa, liberdade não apenas para as religiões cristãs, mas para todos os cultos e inclusive para quem não tem religião.
O projeto de Escola dita “sem partido” parte do princípio de que a atividade docente deve ser alvo de vigilância policial do Estado. Pelos projetos que estão se apresentando nesta área, um delegado de polícia poderá interpretar se um professor está desenvolvendo uma atividade “ideológica” com seus alunos. Não há dúvidas de que os principais alvos são os professores de História e Filosofia, geralmente os principais responsáveis por um debate mais crítico dentro das escolas públicas e particulares. Mas o ataque é contra a educação como um todo. Todos sabemos que não há como separar ideologia de ciência e nem como desvinculá-las da educação. O discurso de que só possui ideologia os que criticam a sociedade é extremamente perigoso. É uma verdadeira apologia do status quo, da manutenção das desigualdades, da reprodução dos preconceitos no meio escolar, ambiente assim construído para a manutenção do desprezo de classe, do racismo, do machismo e da homofobia. Se a educação renunciar a tratar destas questões, viveremos um retrocesso civilizatório sem precedentes. Os defensores desta política agressiva imaginam que os estudantes sejam uma massa amorfa e passiva a disposição da doutrinação externa por professores partidarizados. Não imaginam e nem conhecem a experiência escolar de estudo crítico de aprendizagem mútua entre mestres e estudantes. Ou a República constrói um modelo efetivo e eficaz de Escola voltada para a cidadania, para a criação de sujeitos autônomos, que aprendam a analisar o mundo a partir de suas próprias pernas, ou sucumbiremos a uma escola miserável não só do ponto de vista material, mas pior, miserável nas ambições intelectuais e na limitação à reflexão e à liberdade.
A ressaca civilizatória que estamos vivendo deve ter como origem uma série de problemas não resolvidos que foram deixados pelo caminho nos últimos 30 anos. A insuficiência e as fortes limitações do processo de democratização de nossa sociedade são pontos para reflexão. Não fizemos um verdadeiro ajuste de contas com a Ditadura Militar. Permitimos que torturadores e criminosos que agiram sob a proteção do Estado ficassem impunes. Permitimos que o modelo agrícola exportador baseado na destruição ambiental e na agressão às populações rurais camponesas, indígenas e quilombolas, tivesse uma sobrevida e um revigoramento. Permitimos que a política virasse, cada vez mais, um negócio para atores espertos e oportunistas. Permitimos a manutenção de um Poder Judiciário oligárquico e defensor de privilégios. Evitamos de questionar a concentração monopolizada dos meios de comunicação que ditam o que é verdadeiro e o que é falso. A luta democrática das décadas de 1970 e 1980 teve um horizonte de expectativas cada vez mais limitado. Em algum momento nossa capacidade de organização social e luta por direitos e melhorias foi capturada por um conjunto de amarras e paralisias.
Mas o mundo nunca apresentou condições ideais de vida e trabalho. Precisamos enfrentar as dificuldades e aceitar o desafio de reconstrução da liberdade e da democracia. Resta a nós contar com o que sempre tivemos em nossas mãos. Nossas ferramentas de trabalho são o conhecimento, o respeito e a liberdade. Estas ferramentas são capazes sim de mudar o mundo e construir uma vida melhor. Nunca deixem de lutar pelos seus sonhos! Parabéns! Boa noite!
Prof. Paulo Pinheiro Machado – Diretor do Centro de Filosofia e Ciências Humanas
02 de setembro de 2016.
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Para a Pós-Graduação em História – Movimentos Sociais e Experiências – semestre 2016/2
Publicado em 04/08/2016 às 18:47Departamento de História – Programa de Pós-Graduação em História
PLANO DE ENSINO
Nome da disciplina: Movimentos Sociais e Experiências. Código: HST 346000
Professor responsável: Paulo Pinheiro Machado. Semestre: 2016/2
Horário: 6ª feiras, das 14:00 às 17:30h. Local: Sala CFH 335
Ementa: Analisar, discutir e avaliar as diferentes abordagens historiográficas – e suas implicações teóricas e metodológicas – sobre a história social, o estudo de movimentos sociais rurais e/ou urbanos, o conceito de cultura e suas apropriações na história social do trabalho e nas instituições e organizações formais e informais de trabalhadores.
Avaliação: A avaliação dos alunos será realizada a partir da apresentação de textos e participação em sala de aula (30%) e entrega de trabalho monográfico até dia 20 de dezembro (70%).
Programação das atividades:
Dia 12 de agosto.
Apresentação do plano de ensino e distribuição das leituras
1 – Movimentos sociais e História Social do trabalho.
Dia 19 de agosto.
RUDÉ, George . A multidão na História. Estudos dos movimentos Populares na França e na Inglaterra 1730-1848. Rio de Janeiro: Ed. Campus, 1991. Capítulos I, II, III, IV, V, VI, VII e VIII, pp 19 a 145
Dia 26 de agosto.
THOMPSON, Edward P. Costumes em comum. Estudos sobre a cultura popular tradicional. São Paulo: Cia das Letras. 1998. Introdução pp. 13-24; Cap. 3 Costume, Lei e Direito Comum e Cap. 4 A economia moral da multidão inglesa no século XVIII pp. 86- 202.
Dia 02 de setembro.
SAFATLE, Vladimir P. Reler Marx Hoje. Mimeo. 2016. Capítulos 1 a 6. pp 01- 59
Dia 09 de setembro:
Texto para Discussão:
SAFATLE, Vladimir P. Reler Marx Hoje. Mimeo. 2016. Capítulos 7 a 14. pp 60-122.
2. Escravos e Livres no Brasil
Dia 16 de setembro:
NEGRO, Antônio Luigi e GOMES, Flávio. “Além de senzalas e fábricas uma história social do trabalho”. In Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 18, n. 1, 2006, pp. 217-240.
LINDEN, Marcel van der. “Rumo a uma nova conceituação histórica da classe trabalhadora mundial” In HISTÓRIA, SÃO PAULO, v.24, N.2, 2005, pp..11-40.
Dia 23 de setembro:
YABETA, Daniela e GOMES, Flávio. “Memória, Cidadania e Direitos de Comunidades Remanescentes (em torno de um documento da História dos quilombolas da Marambaia)” In Afro-Ásia, n. 47, 2013, pp.79-117.
MAMIGONIAN, Beatriz. “José Majojo e Francisco Moçambique, marinheiros das rotas atlânticas: notas sobre a reconstituição de trajetórias da era da abolição.” Topoi, v. 11, n. 20, jan.-jun. 2010, pp. 75-91.
Dia 30 de setembro.
SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos: imigrantes e nacionais livres, libertos e escravos na construção da primeira ferrovia baiana (1858-1863). Campinas: Ed. UNICAMP, 2015. Livro completo. Parte 1. (Prefácio, Introdução, Caps. 1, 2 e 3) pp. 15-157.
Dia 07 de outubro.
SOUZA, Robério S. Trabalhadores dos trilhos Parte 2 (Caps. 4, 5 e conclusão). pp. 159-256.
3. Movimentos Sociais no Brasil Contemporâneo
Dia 14 de outubro:
DUARTE, Adriano Luiz. “Em busca de um lugar no mundo”: movimentos sociais e política na cidade de São Paulo nas décadas de 1940 e 50. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol. 21, nº 42, julho-dezembro de 2008, p. 195-219.
FORTES, Alexandre. “O Estado Novo e os Trabalhadores: a construção de um corporativismo Latino-Americano” Locus: revista de história, Juiz de Fora, v. 13, n. 2, 2007, pp. 61-86.
Dia 21 de outubro:
FRENCH, John . Afogados em Leis. A CLT e a cultura política dos trabalhadores brasileiros. São Paulo: Ed. Perseu Abramo. 2001. (livro inteiro)
Dia 28 de outubro:
FRENCH, John. Afogados em Leis… Parte 2.
Dia 04 de novembro
MATTOS, Marcelo Badaró . “O Governo João Goulart: novos rumos da produção historiográfica” Revista Brasileira de História. São Paulo, v. 28, nº 55, 2008, pp. 245-263 –
MOTTA, Márcia Maria Menendes e ESTEVES, Carlos Leandro. “ Ligas Camponesas: história de uma luta desconhecida.” MST em Dados. 2009. Mimeo. Texto completo, 19p.
Dia 11 de novembro.
WELCH, Clifford Andrew. “Os com-terra e os sem-terra de São Paulo: retratos de uma relação em transição (1946-1996).” In FERNANDES, Bernardo Mançano; MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de; PAULILO, Maria Ignez (orgs.). Lutas Camponesas Contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. O Campesinato como sujeito político nas décadas de 1950 a 1980. São Paulo/Brasília: Ed. UNESP/NEAB, 2009, pp. 139-170.
REIS, Maria José. “O movimento dos atingidos por barragens: atores, estratégias de luta e conquistas. In FERNANDES, Bernardo Mançano; MEDEIROS, Leonilde Sérvolo de; PAULILO, Maria Ignez (orgs.). Lutas Camponesas Contemporâneas: condições, dilemas e conquistas. O Campesinato como sujeito político nas décadas de 1950 a 1980. São Paulo/Brasília: Ed. UNESP/NEAB, 2009, pp. 265-286.
Dias 17 e 24 de novembro: não haverá aulas da disciplina em função de Simpósio de História da Ciência e Seminário Internacional dos Mundos do Trabalho, em Manaus.
Dia 02 de dezembro
SANTOS, Izabel; WRIGHT, Sônia; SILVA, Maria J.; SILVA, Uilma; PAULA, Edvânia de (orgs.). Mulheres construindo poder: Um olhar sobre como as mulheres populares e diversas do Nordeste do Brasil transformam o poder. Quito/Equador: OXFAM/AECID, 2013. Livro completo, 172 pp.
Avaliação da disciplina.
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Data final para entrega dos trabalhos monográficos: 20 de dezembro.
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Nota em defesa da liberdade do trabalho científico
Publicado em 17/07/2016 às 9:42O Conselho de Unidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas vem manifestar publicamente sua mais grave preocupação com as práticas da CPI da FUNAI e do INCRA, constituída a partir de outubro de 2015.
O requerimento original que criou a Comissão já levantava a acusação de fraude contra profissionais provenientes de Universidades, sendo a UFSC nominalmente citada. Um requerimento de autoria do Deputado Valdir Colato, aprovado por esta comissão em 6 de julho do presente ano, encaminha solicitação a Polícia Federal para a abertura de investigação visando apuração dos indícios de falsidade, presuntivos de organização criminosa e lesão ao erário, sem afastar a eventual ocorrência de crimes conexos contra antropólogos e demais profissionais que participaram da elaboração do laudo da Terra Indígena do Morro dos Cavalos, sendo que da UFSC são nominalmente citados Maria Dorothea Post Darella, Aldo Litaif (servidores que durante anos foram responsáveis pelo setor de Etnologia Indígena do MArquE) e Gelci Coelho (ex- Diretor do MArquE, aposentado). Na semana anterior a este requerimento um longo e circunstanciado documento foi enviado pela UFSC para esta CPI, com toda a explicação sobre os procedimentos metodológicos, relatórios, laudos e até filmagens na região do Morro dos Cavalos, todo o acervo de estudos que a UFSC vem realizando para aquela comunidade e aquele território há mais de 30 anos, com a explicitação dos procedimentos metodológicos, das fontes e acervos, dos testemunhos e da longa relação com o Ministério Público Federal, a FUNAI e demais órgãos governamentais. Nada disso foi examinado pela CPI. O documento enviado à Polícia Federal não anexava nem citava a resposta esclarecedora da UFSC. Isto demonstra uma prática mais ligada à acusação sem provas do que a uma verdadeira investigação.
No mesmo dia 6 de julho outro requerimento, número 292/16, de autoria do Deputado Nilson Leitão, sem maioria de votos e com conteúdo não divulgado, acabou por aprovar a quebra de sigilo fiscal e bancário de Instituições e indivíduos que defendem as causas indígenas e quilombolas. Nem mesmo os parlamentares da CPI tiveram acesso ao texto deste Requerimento, sendo que o autor admite que a ABA e outras entidades e indivíduos estão listados.
Estas iniciativas, além de deturpar as práticas legítimas de investigação parlamentar, significam formas efetivas de intimidação do trabalho de profissionais e de estudantes graduandos e pós-graduandos da área de Antropologia e das Ciências Humanas em geral, um verdadeiro ataque à ciência e à Universidade. Igualmente preocupante é o ânimo da maioria dos parlamentares desta CPI que tem por finalidade última a revogação dos direitos territoriais que as comunidades indígenas e quilombolas conquistaram na Constituição de 1988. -
Carta aberta da neta de Marc Bloch ao jornal O Estado de S. Paulo
Publicado em 12/07/2016 às 12:43Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.
Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.
O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.
Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.
Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!
O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.
Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.
O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.
Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.
Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!
O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular. -
Apertem os cintos, o piloto sumiu (Vladimir Safatle, Folha de S. Paulo, 3/6/2016)
Publicado em 03/06/2016 às 18:33É certo que mesmo o mais entusiasta apoiador do golpe oligárquico perpetrado no Brasil não imaginava uma sequência tão desastrada como a que estamos a ver. A narrativa hegemônica antes do processo de impeachment de Dilma Rousseff era que, afastada a presidente, o dólar cairia, a bolsa subiria, a sociedade se reunificaria e voltaríamos a uma certa normalidade.
Mesmo os que denunciavam a manobra política afirmavam que entraríamos em um conchavo macabro entre a classe política, a imprensa e o judiciário para a criação de uma pacificação artificial do cenário político nacional.
No entanto, o que aconteceu foi outra coisa. Nestes primeiros 20 dias, o governo interino foi diariamente bombardeado por vazamentos de gravações que provocaram a queda de dois ministros em menos de um mês, setores da imprensa não deixaram de reverberar os arcaísmos e mazelas dos novos ocupantes do poder, minando a popularidade de um governo que começou em baixa. A quantidade de medidas anunciadas e revogadas em menos de um dia demonstra a profunda fragilidade do arranjo governista e seu programa.
Uma das formas de interpretar tal situação passa por compreender de outra forma golpes políticos como esse que o Brasil conheceu.
Normalmente, imaginamos que a queda de um grupo de poder e a ascensão de outro é fruto de um projeto claramente concebido que recebe a anuência de vários atores políticos com interesses em comum dispostos a se submeter a um comando central. Teria sido assim, por exemplo, com a ditadura militar, na qual setores do empresariado nacional, do latifúndio, da igreja conservadora e da imprensa organizaram seus interesses em comum submetendo-se ao comando militar, que foi rapidamente impondo sua hegemonia de fato.
No entanto, lembremos aqui da teoria presente em um dos mais impressionantes estudos sobre o estado nazista, a saber, “Behemoth: A Estrutura e a Prática do Nacional-Socialismo”, de Franz Neumann.
Uma das principais teses de Neumann, companheiro de rota da Escola de Frankfurt, consiste em afirmar que o Estado nazista não era uma totalidade orgânica e homogênea. Antes, ele era composto de, ao menos, quatro grupos (o partido, o Exército, os industriais e a burocracia estatal) que se digladiavam entre si constituindo estruturas de poder paralelas que entravam continuamente em choque.
O Estado não se desagregava apenas porque existia um “mediador universal” reconhecido por todos (no caso, o Führer) que decidia os conflitos internos quando necessário. Agora, imagine uma situação como essa sem a figura do mediador universal. Você chegará assim ao Brasil atual, fruto de um impressionante golpe sem comando.
Cinco grupos tomaram a frente do processo de derrubada do governo Dilma. Primeiro, a casta política, que resolveu sacrificar seu sócio mais novo (o PT) para tentar, como disse singelamente o senhor Romero Jucá, “estancar a sangria”.
Segundo, o poder Judiciário, que, diante da imobilidade do Executivo e do Legislativo, paulatinamente foi alçado ao centro do processo decisório nacional, ganhando um protagonismo e autonomia nunca visto. Não foram poucos os que denunciaram que o Brasil caminha para uma certa condição de República de juízes.
Terceiro, setores hegemônicos da imprensa, que tem sua pauta liberal-conservadora própria.
Quarto, a oligarquia financeira, único setor da economia nacional capaz de organizar o comando da economia a partir de seus próprios interesses. Por fim, a igreja evangélica conservadora, cuja influência na política brasileira é fruto de trabalho ideológico de longo fôlego no interior da dita “nova classe média”.
Todos esses atores têm agendas próprias, não necessariamente convergentes. A única coisa que eles têm em comum é o mesmo inimigo externo, a saber, a esquerda no poder. O que os une é a violência contra o mesmo inimigo, que precisará continuar como tal. O que veremos agora será, pois, tais atores se digladiando entre si para impor sua hegemonia.
Policiais prendendo banqueiros, a imprensa enquadrando membros da casta política, evangélicos pressionando o governo para suas pautas fundamentalistas: esses movimentos são apenas um jogo de força no interior de um golpe sem comando e de um país à deriva. Esta é uma das versões possíveis do vazio no poder.
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Perigo do Golpe: “Brasil: a democracia à beira do caos e os perigos da desordem jurídica” de Boaventura Santos
Publicado em 24/03/2016 às 21:31Quando, há quase trinta anos, iniciei os estudos sobre o sistema judicial em vários países, a administração da justiça era a dimensão institucional do Estado com menos visibilidade pública. A grande exceção eram os EUA devido ao papel fulcral do Tribunal Supremo na definições das mais decisivas políticas públicas. Sendo o único órgão de soberania não eleito, tendo um carácter reativo (não podendo, em geral, mobilizar-se por iniciativa própria) e dependendo de outras instituições do Estado para fazer aplicar as suas decisões (serviços prisionais, administração pública), os tribunais tinham uma função relativamente modesta na vida orgânica da separação de poderes instaurada pelo liberalismo político moderno, e tanto assim que a função judicial era considerada apolítica. Contribuía também para isso o facto de os tribunais só se ocuparem de conflitos individuais e não coletivos e estarem desenhados para não interferir com as elites e classes dirigentes, já que estas estavam protegidas por imunidades e outros privilégios. Pouco se sabia como funcionava o sistema judicial, as características dos cidadãos que a ele recorriam e para que objetivos o faziam. Tudo mudou desde então até aos nossos dias. Contribuíram para isso, entre outros fatores, a crise da representação política que atingiu os órgãos de soberania eleitos, a maior consciência dos direitos por parte dos cidadãos e o facto de as elites políticas, confrontadas com alguns impasses políticos em temas controversos, terem começado a ver o recurso seletivo aos tribunais como uma forma de descarregarem o peso político de certas decisões. Foi ainda importante o facto de o neoconstitucionalismo emergente da segunda guerra mundial ter dado um peso muito forte ao controlo da constitucionalidade por parte dos tribunais constitucionais. Esta inovação teve duas leituras opostas. Segundo uma das leituras, tratava-se de submeter a legislação ordinária a um controlo que impedisse a sua fácil instrumentalização por forças políticas interessadas em fazer tábua rasa dos preceitos constitucionais, como acontecera, de maneira extrema, nos regimes ditatoriais nazis e fascistas. Segundo a outra leitura, o controlo da constitucionalidade era o instrumento de que se serviam as classes políticas dominantes para se defenderem de possíveis ameaças aos seus interesses decorrentes das vicissitudes da política democrática e da “tirania das maiorias”. Como quer que seja, por todas estas razões surgiu um novo tipo de ativismo judiciário que ficou conhecido por judicialização da política e que inevitavelmente conduziu à politização da justiça.
A grande visibilidade pública dos tribunais nas últimas décadas resultou, em boa medida, dos casos judiciais que envolveram membros das elites políticas e económicas. O grande divisor de águas foi o conjunto de processos criminais que atingiu quase toda a classe política e boa parte da elite económica da Itália conhecido por Operação Mãos Limpas. Iniciado em Milão em abril de 1992, consistiu em investigações e prisões de ministros, dirigentes partidários, membros do parlamento (em certo momento estavam a ser investigados cerca de um terço dos deputados), empresários, funcionários públicos, jornalistas, membros dos serviços secretos acusados de crimes de suborno, corrupção, abuso de poder, fraude, falência fraudulenta, contabilidade falsa, financiamento político ilícito. Dois anos mais tarde tinham sido presas 633 pessoas em Nápoles, 623 em Milão e 444 em Roma. Por ter atingido toda a classe política com responsabilidades de governação no passado recente, o processo Mãos Limpas abalou os fundamentos do regime político italiano e esteve na origem da emergência, anos mais tarde, do “fenómeno” Berlusconi. Ao longo dos anos, por estas e por outras razões, os tribunais têm adquirido grande notoriedade pública em muitos países. O caso mais recente e talvez o mais dramático de todos os que conheço é a Operação Lava Jato no Brasil.
Iniciada em março de 2014, esta operação judicial e policial de combate à corrupção, em que estão envolvidos mais de uma centena de políticos, empresários e gestores, tem-se vindo a transformar a pouco e pouco no centro da vida política brasileira. Ao entrar na sua 24ª fase, com a implicação do ex-presidente Lula da Silva e com o modo como foi executada, está a provocar uma crise política de proporções semelhantes à que antecedeu o golpe de Estado que em 1964 instaurou a uma odiosa ditadura militar que duraria até 1985. O sistema judicial, que tem a seu cargo a defesa e garantia da ordem jurídica, está transformado num perigoso fator de desordem jurídica. Medidas judiciais flagrantemente ilegais e inconstitucionais, a seletividade grosseira do zelo persecutório, a promiscuidade aberrante com a mídia ao serviços das elites políticas conservadoras, o hiper-ativismo judicial aparentemente anárquico, traduzido, por exemplo, em 27 liminares visando o mesmo ato político, tudo isto conforma uma situação de caos judicial que acentua a insegurança jurídica, aprofunda a polarização social e política e põe a própria democracia brasileira à beira do caos. Com a ordem jurídica transformada em desordem jurídica, com a democracia sequestrada pelo órgão de soberania que não é eleito, a vida política e social transforma-se num potencial campo de despojos à mercê de aventureiros e abutres políticos. Chegados aqui, várias perguntas se impõem. Como se chegou a este ponto? A quem aproveita esta situação? O que deve ser feito para salvar a democracia brasileira e as instituições que a sustentam, nomeadamente os tribunais? Como atacar esta hidra de muitas cabeças de modo a que de cada cabeça cortada não cresçam mais cabeças? Procuro identificar neste texto algumas pistas de resposta.
Como chegámos a este ponto?
Por que razão a Operação Lava Jato está a ultrapassar todos os limites da polémica que normalmente suscita qualquer caso mais saliente de ativismo judicial? Note-se que a semelhança com os processos Mãos Limpas na Itália tem sido frequentemente invocada para justificar a notoriedade e o desassossego públicos causado pelo ativismo judicial. Mas as semelhanças são mais aparentes do que reais. Há, pelo contrário, duas diferenças decisivas entre as duas operações. Por um lado, os magistrados italianos mantiveram um escrupuloso respeito pelo processo penal e, quando muito, limitaram-se a aplicar normas que tinham sido estrategicamente esquecidas por um sistema judicial conformista e conivente com os privilégios das elites políticas dominantes na vida política italiana do pós-guerra. Por outro lado, procuraram investigar com igual zelo os crimes de dirigentes políticos de diferentes partidos políticos com responsabilidades governativas. Assumiram uma posição politicamente neutra precisamente para defender o sistema judicial dos ataques que certamente lhe seriam desferidos pelos visados das suas investigações e acusações. Tudo isto está nos antípodas do triste espetáculo que um setor do sistema judicial brasileiro está a dar ao mundo. O impacto do ativismo dos magistrados italianos chegou a ser designado por República dos Juízes. No caso do ativismo do setor judicial lava-jatista, podemos falar, quando muito, de República judicial das bananas.
Porquê?
Pelo impulso externo que com toda a evidência está por detrás desta específica instância de ativismo judicial brasileiro e que esteve em grande medida ausente no caso italiano. Esse impulso dita a escancarada seletividade do zelo investigativo e acusatório. Embora estejam envolvidos dirigentes de vários partidos, a Operação Lava Jato, com a conivência da mídia, tem-se esmerado na implicação de líderes do PT com o objetivo, hoje indisfarçável, de suscitar o assassinato político da Presidente Dilma Roussef e do ex-Presidente Lula da Silva.
Pela importância do impulso externo e pela seletividade da ação judicial que ele tende a provocar, a Operação Lava Jato tem mais semelhanças com uma outra operação judicial ocorrida na Alemanha, na República de Weimar, depois do fracasso da revolução alemã de 1918. A partir desse ano e num contexto de violência política provinda, tanto da extrema esquerda como da extrema direita, os tribunais alemães revelaram um dualidade chocante de critérios, punindo severamente a violência da extrema esquerda e tratando com grande benevolência a violência da extrema direita, a mesma que anos mais tarde iria a levar Hitler ao poder.
No caso brasileiro, o impulso externo são as elites económicas e as forças políticas ao seu serviço que não se conformaram com a perda das eleições em 2014 e que, num contexto global de crise da acumulação do capital, se sentiram fortemente ameaçadas por mais quatro anos sem controlar a parte dos recursos do país diretamente vinculada ao Estado em que sempre assentou o seu poder. Essa ameaça atingiu o paroxismo com a perspetiva de Lula da Silva, considerado o melhor Presidente do Brasil desde 1988 e que saiu do governo com uma taxa de aprovação de 80%, vir a postular-se como candidato presidencial em 2018. A partir desse momento, a democracia brasileira deixou de ser funcional para este bloco político conservador e a desestabilização política começou. O sinal mais evidente da pulsão anti-democrática foi o movimento pelo impeachment da Presidente Dilma poucos meses depois da sua tomada de posse, algo, senão inédito, pelo menos muito invulgar na história democrática das três últimas décadas. Bloqueados na sua luta pelo poder por via da regra democrática das maiorias (a “tirania das maiorias”), procuraram pôr ao seu serviço o órgão de soberania menos dependente do jogo democrático e especificamente desenhado para proteger as minorias, isto é, os tribunais. A Operação Lava Jato, em si mesma uma operação extremamente meritória, foi o instrumento utilizado. Contando com a cultura jurídica conservadora dominante no sistema judicial, nas Faculdades de Direito e no país em geral, e com uma arma mediática de alta potência e precisão, o bloco conservador tudo fez para desvirtuar a Operação Lava Jata, desviando-a dos seus objetivos judiciais, em si mesmos fundamentais para o aprofundamento democrático, e convertendo-a numa operação de extermínio político. O desvirtuamento consistiu em manter a fachada institucional da Operação Lava Jato mas alterando profundamente a estrutura funcional que a animava por via da sobreposição da lógica política à lógica judicial. Enquanto a lógica judicial assenta na coerência entre meios e fins ditada pelas regras processuais e as garantias constitucionais, a lógica política, quando animada pela pulsão antidemocrática, subordina os fins aos meios, e é pelo grau dessa subordinação que define a sua eficácia.
Em todo este processo, três grandes fatores jogam a favor dos desígnios do bloco conservador. O primeiro resultou da dramática descaracterização do PT enquanto partido democrático de esquerda. Uma vez no poder, o PT decidiu governar à moda antiga (isto é, oligárquica) para fins novos e inovadores. Ignorante da lição da República de Weimar, acreditou que as “irregularidades” que cometesse seriam tratadas com a mesma benevolência com que eram tradicionalmente tratadas as irregularidades das elites e classes políticas conservadoras que tinham dominado o país desde a independência. Ignorante da lição marxista que dizia ter incorporado, não foi capaz de ver que o capital só confia nos seus para o governar e que nunca é grato a quem, não sendo seu, lhes faz favores. Aproveitando um contexto internacional de excecional valorização dos produtos primários, provocado pelo desenvolvimento da China, incentivou os ricos a enriquecerem como condição para dispor dos recursos necessários para levar a cabo as extraordinárias politicas de redistribuição social que fizeram do Brasil um país substancialmente menos injusto ao libertarem mais de 45 milhões de brasileiros da jugo endémico da pobreza. Findo o contexto internacional favorável, só uma política “à moda nova” poderia dar sustentação à redistribuição social, ou seja, uma política que, entre muitas outras vertentes, assentasse na reforma política para neutralizar a promiscuidade entre o poder político e o poder económico, na reforma fiscal para poder tributar os ricos de modo a financiar a redistribuição social depois do fim do boom das commodities, e na reforma da mídia, não para censurar, mas para garantir a diversidade da opinião publicada. Era, no entanto, demasiado tarde para tanta coisa que só poderia ter sido feita em seu tempo e fora do contexto de crise.
O segundo fator, relacionado com este, é a crise económica global e o férreo controlo que tem sobre ela quem a causa, o capital financeiro, entregue à sua voragem autodestrutiva, destruindo riqueza sob o pretexto de criar riqueza, transformando o dinheiro, de meio de troca, em mercadoria por excelência do negócio da especulação. A hipertrofia dos mercados financeiros não permite crescimento económico e, pelo contrário, exige políticas de austeridade por via dos quais os pobres são investidos do dever de ajudar os ricos a manterem a sua riqueza e, se possível, a serem mais ricos. Nestas condições, as precárias classes médias criadas no
período anterior ficam à beira do abismo de pobreza abrupta. Intoxicadas pela mídia conservadora, facilmente convertem os governos responsáveis pelo que são hoje em responsáveis pelo que lhes pode acontecer amanhã. E isto é tanto mais provável quanto a sua viagem da senzala para os pátios exteriores da Casa Grande foi realizada com o bilhete do consumo e não com o bilhete da cidadania.O terceiro fator a favor do bloco conservador é o fato de o imperialismo norte-americano estar de volta ao continente depois das suas aventuras pelo Médio Oriente. Há cinquenta anos, os interesses imperialistas não conheciam outro meio senão as ditaduras militares para fazer alinhar os países do continente pelos seus interesses. Hoje, dispõem de outros meios que consistem basicamente em financiar projetos de desenvolvimento local, organizações não governamentais em que a defesa da democracia é a fachada para atacar de forma agressiva e provocadora os governos progressistas (“fora o comunismo”, “fora o marxismo”, “fora Paulo Freire”, “não somos a Venezuela”, etc, etc.). Em tempos em que a ditadura pode ser dispensada se a democracia servir os interesses económicos dominantes, e em que os militares, ainda traumatizados pelas experiências anteriores, parecem indisponíveis para novas aventuras autoritárias, estas formas de desestabilização são consideradas mais eficazes porque permitem substituir governos progressistas por governos conservadores mantendo a fachada democrática. Os financiamentos que hoje circulam abundantemente no Brasil provêm de uma multiplicidade de fundos (a nova natureza de um imperialismo mais difuso), desde as tradicionais organizações vinculadas à CIA até aos irmãos Koch, que nos EUA financiam a política mais conservadora e que têm interesses sobretudo no sector do petróleo, e às organizações evangélicas norteamericanas.
Como salvar a democracia brasileira?
A primeira e mais urgente tarefa é salvar o judiciário brasileiro do abismo em que está a entrar. Para isso, o sector íntegro do sistema judicial, que certamente é maioritário, deve assumir a tarefa de repor a ordem, a serenidade e a contenção no interior do sistema. O princípio orientador é simples de formular: a independência dos tribunais no Estado de direito visa permitir aos tribunais cumprir a sua quota parte de responsabilidade na consolidação da ordem e convivência democráticas. Para isso, não podem pôr a sua independência, nem ao serviço de interesses corporativos, nem de interesses políticos setoriais, por mais poderosos que sejam. O princípio é fácil de formular mas muito difícil de aplicar. A responsabilidade maior na sua aplicação reside agora em duas instâncias. O STF (Supremo Tribunal Federal) deve assumir o seu papel de máximo garante da ordem jurídica e pôr termo à anarquia jurídica que se está a instaurar. Muitas decisões importantes recairão sobre o STF nos próximos tempos e elas devem ser acatadas por todos qualquer que seja o seu teor. O STF é neste momento a única instituição que pode travar a dinâmica de estado de exceção que está instalada. Por sua vez, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça), a quem compete o poder de disciplinar sobre os magistrados, deve instaurar de imediato processos disciplinares por reiterada prevaricação e abuso processual, não só ao juiz Sérgio Moro como a todos os outros que têm seguido o mesmo tipo de atuação. Sem medidas disciplinares exemplares, o judiciário brasileiro corre o risco de perder todo o peso institucional que granjeou nas últimas décadas, um peso que, como sabemos, não foi sequer usado para favorecer forças ou políticas de esquerda. Apenas foi conquistado mantendo a coerência e a isonomia entre meios e fins.
Se esta primeira tarefa for realizada com êxito, a separação de poderes será garantida e o processo político democrático seguirá o seu curso. O governo Dilma decidiu acolher Lula da Silva entre os seus ministros. Está no seu direito de o fazer e não compete a nenhuma instituição, e muito menos ao judiciário, impedi-lo. Não se trata de fuga à justiça por parte de um político que nunca fugiu à luta, dado que será julgado (se esse for o caso) por quem sempre o julgaria em última instância, o STF. Seria uma aberração jurídica aplicar neste caso a teoria do “juiz natural da causa”. Pode, isso sim, discordar-se do acerto da decisão política tomada. Lula da Silva e Dilma Rousseff sabem que fazem uma jogada arriscada. Tanto mais arriscada se a presença de Lula não significar uma mudança de rumo que tire às forças conservadoras o controle sobre o grau e o ritmo de desgaste que exercem sobre o governo. No fundo, só eleições presidenciais antecipadas permitiriam repor a normalidade. Se a decisão de Lula-Dilma correr mal, a carreira de ambos terá chegado ao fim, e a um fim indigno e particularmente indigno para um político que tanta dignidade devolveu a tantos milhões de brasileiros. Além disso, o PT levará muitos anos até voltar a ganhar credibilidade entre a maioria da população brasileira, e para isso terá de passar por um processo de profunda transformação. Se correr bem, o novo governo terá de mudar urgentemente de política para não frustrar a confianças dos milhões de brasileiros que estão a vir para a rua contra os golpistas. Se o governo brasileiro quer ser ajudado por tantos manifestantes, tem que os ajudar a terem razões para o ajudar. Ou seja, quer na oposição, quer no governo, o PT está condenado a reinventar-se. E sabemos que no governo esta tarefa será muito mais difícil.
A terceira tarefa é ainda mais complexa porque nos próximos tempos a democracia brasileira vai ter de ser defendida tanto nas instituições como nas ruas. Como nas ruas não se faz formulação política, as instituições terão a prioridade devida mesmo em tempos de pulsão autoritária e de exceção antidemocrática As manobras de desestabilização vão continuar e serão tanto mais agressivas quanto mais visível for a fraqueza do governo e das forças que o apoiam. Haverá infiltrações de provocadores tanto nas organizações e movimentos populares como nos protestos pacíficos que realizarem. A vigilância terá de ser total já que este tipo de provocação está hoje a ser utilizado em muitos contextos para criminalizar o protesto social, fortalecer a repressão estatal e criar estados de exceção, mesmo se com fachada de normalidade democrática. De algum modo, como tem defendido Tarso Genro, o estado de exceção está já instalado, de modo que a bandeira “Não vai ter golpe” tem de ser entendida como denunciando o golpe político-judicial que já está em curso, um golpe de tipo novo que é necessário neutralizar.
Finalmente, a democracia brasileira pode beneficiar da experiência recente de alguns países vizinhos.O modo como as políticas progressistas foram realizadas no continente não permitiram deslocar para esquerda o centro político a partir do qual se definem as posições de esquerda e de direita. Por isso, quando os governos progressistas são derrotados, a direita chega ao poder possuída por uma virulência inaudita apostada em destruir em pouco tempo tudo o que foi construído a favor das classes populares no período anterior. A direita vem então com um ânimo revanchista destinado a cortar pela raiz a possibilidade de voltar a surgir um governo progressista no futuro. E consegue a cumplicidade do capital financeiro internacional para inculcar nas classes populares e nos excluídos a ideia de que a austeridade não é uma política com que se possam defrontar; é um destino a que têm de se acomodar. O governo de Macri na Argentina é um caso exemplar a este respeito.
A guerra não está perdida, mas não será ganha se apenas se acumularem batalhas perdidas, o que sucederá se se insistir nos erros do passado.
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A UFSC, o Hospital Universitário e a EBSERH
Publicado em 25/11/2015 às 0:51Na reunião do Conselho Universitário do dia 24 de novembro de 2015 apresentei o seguinte parecer de vistas sobre a EBSERH:
Processo nº 23080.061734/2015-11 (Anexo Processo nº 23080.032663/2015-31), Assunto: Apreciação do processo sobre o Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH
Parecer de vistas
Sra. Presidenta, sras. e srs. Conselheiros(as)
Tendo em vista a relevância deste processo para a nossa Universidade e para o Hospital Universitário, requeri vistas para levantar alternativas viáveis ao Hospital que não violem a autonomia universitária nem o Regime Jurídico Único. Divergindo do parecer original, que recomenda o início das tratativas da UFSC para adesão à EBSERH, levo ao Conselho Universitário as seguintes questões:
A Importância da Autonomia Universitária e do RJU.
Considerando o Art. 207 da Constituição Federal:
“As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”
A adesão da UFSC à EBSERH significará a renúncia deste princípio ao Hospital Universitário e a todos os cursos que ele serve. A gestão financeira a patrimonial estará a cargo de uma Empresa, e não de um Diretor da UFSC e de um Conselho de Gestão, com representação dos cursos e Departamentos do CCS, como é previsto pelo atual Regimento do Hospital (art. 9). Como pode um órgão concebido como Hospital-Escola, que necessita de direta integração com os cursos aos quais é ligado, ser tomado por uma administração externa, nomeada pelo governo federal? O outro princípio constitucional, da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, também fica comprometido.
Conforme a proposta de Dimensionamento apresentada pela EBSERH (fls. 1710), a empresa se apresenta informando o número de 370 celetistas que promete contratar e o número de 75 Funções de Chefia (que poderá ser ocupada por funcionários cedidos por outros órgãos), que oferecerá, mas não esclarece como poderá promover uma integração acadêmica com a Universidade. É uma estrutura hierárquica de uma empresa que se impõe sobre um ambiente universitário. Uma estrutura de comando nomeada a partir de Brasília dificilmente levará em consideração as necessidades e demandas acadêmicas locais. Como veremos mais adiante, este é um importante ponto de conflito nos Hospitais Universitários onde a EBSERH já se estabeleceu.
A autonomia universitária não é um princípio vazio ou uma mera palavra de ordem, é uma espécie de autogoverno que as Universidades historicamente conquistaram para a defesa da liberdade do pensamento e de criação científica, cultural e artística, portanto uma condição sine qua non para o cumprimento de sua missão institucional, para a proteção do pensamento livre contra estruturas de dominação políticas, econômicas e\ou religiosas.
A ruptura com o Regime Jurídico Único é outro grave problema que virá com a adesão à EBSERH. O RJU, além de significar uma defesa para os servidores públicos docentes e técnico-administrativos, que são estáveis após o estágio probatório, significa uma defesa do serviço público contra constrangimentos de chefias internas ou forças privadas externas que podem conspirar contra a Instituição na defesa de interesses escusos. A independência de um funcionário concursado nos serviços de saúde e educação é condição precípua para a defesa do interesse público. A precarização da força de trabalho a ser contratada via EBSERH, mesmo que inicialmente ofereça melhores salários (o que é duvidoso em muitos casos tendo e vista as greves ocorridas neste ano na EBSERH), será fonte de maior rotatividade de mão de obra, com profissionais menos experientes e menos ambientados ao meio universitário, já que será necessário agir não só como profissional no Hospital, mas também em atuar em relação à atividades desenvolvidas por professores e alunos.
Não podemos deliberar sobre este tema sem considerar o contexto político nacional. O precedente de contratação de profissionais celetistas para uma atividade fim da Universidade é muito grave e poderá, em diferentes conjunturas, ser aplicado a professores tanto nos cursos de graduação, como nos de pós-graduação. Não é insignificante que tramita no Congresso Nacional a Lei da Terceirização, que recentemente veio a público pela insistência do Presidente da Câmara, o Deputado Cunha, em coloca-la em votação. Desde 1993, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho rege a terceirização no Brasil e restringe essa prática aos serviços de vigilância e limpeza e a funções não relacionadas às atividades-fim das empresas. Quem contrata o serviço terceirizado não é responsabilizado diretamente por infrações trabalhistas da contratada, ponto mantido no PL 4330. Ou seja, dependendo da legislação, a EBSERH poderá subcontratar suas atividades, numa cadeia de transferência de responsabilidades que certamente criará problemas nos Hospitais onde atua. Investidas contra a natureza pública das Universidades Federais é que não faltam, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite que as universidades públicas passem a cobrar mensalidade para cursos de extensão, pós-graduação lato sensu e mestrados profissionais. A ofensiva da EBSERH precisa ser entendida dentro deste contexto. A residência médica, podendo ser considerada como Pós-Graduação lato sensu, poderá ser uma fonte de renda para a EBSERH em todo o país.
- As irregularidades e problemas da EBSERH
Pululam por todo o país denúncias sobre desmandos da EBSERH. O Deputado Ezequiel Teixeira, membro da Comissão de Fiscalização Financeira e de Controle da Câmara Federal, pediu no início deste mês de novembro ao TCU que examine com detalhe as contas da EBSERH.[1] Segundo o Deputado o governo federal, através da EBSERH não pratica uma política transparente, nem critérios claros para a distribuição de recursos no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF).
Como Empresa pública de direito privado, a EBSERH pode ser um ponto de partida de entrada de outras empresas, subcontratadas, dentro da Universidade, como uma espécie de “Cavalo de Tróia”. Em Petrolina, Pernambuco, houve uma denúncia de contratação de terceira empresa para seleção de funcionários para a EBSERH, para o Hospital Universitário de Petrolina, da Universidade do Vale do rio São Francisco:
Mais uma vez a empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e o Hospital Universitário (HU) de Petrolina são alvo de denúncia. Agora, a reclamação parte de um técnico de enfermagem aprovado em concurso para o HU. De acordo com Ulysses Coelho, “ao invés de chamar os aprovados, a EBSERH estaria, através da Intelit (empresa sediada em Brasília e com filial em Petrolina), fazendo um contrato temporário para provimento das vagas por quatro meses.”.Ainda de acordo com Ulysses, aqueles que se dedicaram ao certame e demonstraram os conhecimentos exigidos estão sendo preteridos, possivelmente, em detrimento de pessoas alheias ao concurso. “O prazo de validade do concurso está passando e existem pessoas para serem chamadas”, disse.[2]
Embora o representante da EBSERH tenha negado as acusações, há no Portal da Transparência um contrato entre a EBSERH e a firma citada, INTELIT PROCESSOS INTELIGENTES LTDA, contrato no valor de R$ 1.575.352,11 com dispensa de licitação para a finalidade de:
“Prestação de serviços de apoio administrativo, contratação emergencial de empresa especializada para a prestação de serviços continuados de apoio assistencial, com disponibilização de pessoal devidamente habilitado, visando atender às necessidades do Hospital de Ensino Dr. Washington Antônio de Barros, conforme especificações constantes no Termo de Referência e orçamento, anexados aos autos.”[3]
Este contrato, revelado pelo Portal da Transparência, revela que a EBSERH poderá não fazer seus próprios concursos nem para seus celetistas, terceirizando seus contratados.
Na Universidade Federal de Santa Maria, que é apresentada como “modelo” de atuação da EBSERH, informa Carlos Renan do Amaral, ex-Diretor do HUSM, que desde que esta empresa assumiu a gestão do Hospital Universitário, não existe mais direção de ensino e pesquisa. Outro fato relevante, e que polemizou localmente, foi o contrato de convênio que a EBSERH elaborou com a UNIFRA (Centro Universitário Franciscano, instituição particular) para permitir que seus estudantes de Medicina e Enfermagem fizessem estágio no HUSM mediante pagamento de R$ 3,00 a hora\aula. Certamente é uma outra lógica de gestão. Este é um exemplo de atuação no modo “Cavalo de Tróia”.[4]
Durante o corrente ano, o site do TST informa que houve greve em três Hospitais administrados pela EBSERH em razão de não cumprimento de cláusulas de dissídio coletivo, como reajuste salarial e itens de carreira.[5] Mesmo quando não ocorrem irregularidades, a própria lógica de gestão da EBSERH cria problemas para as atividades didático-pedagógicas dos Hospitais. Na Universidade Federal do Maranhão, informa o prof. Antônio Gonçalves Filho, com a chegada da EBSERH no Hospital Universitário, as relações entre servidores ficaram prejudicadas pelo assédio praticado pela Empresa:
“A relação profissional é de assédio moral. Ou você se submete às regras ou você está fora. O médico vai ter que se submeter às metas construídas não a partir de um pacto de discussão acadêmica, mas dentro de um gabinete”
Além disso, o professor Gonçalves Filho detalha os problemas de ensino criados:
“Se eu dou minha aula prática dentro do hospital, não tem como desvincular a assistência da docência. Quando era direção da universidade, nós pactuávamos. Quem fazia docência atendia oito, quem não fazia, atendia 16 pacientes. Não existe mais isso. Querem criar uma situação que nos obrigue a sair. A lógica da empresa é melhorar a gestão, fazer mais com menos”…”isso compromete o meu processo de ensino-aprendizagem porque eu vou ter menos condições de executar os procedimentos necessários para a formação de um médico.” …“Preciso pensar em novos recursos pedagógicos, rever minha prática docente, contribuir mais com a melhoria do projeto pedagógico do curso. Da forma que trabalhamos com a Ebserh no Hospital, eu não tenho mais tranquilidade para fazer isso.”[6]
O relato acima é grave por revelar uma priorização do atendimento externo à custa da função formativa do hospital. Além das diferenças de objetivos, de prática cotidiana e de conceito de Hospital-Escola, a EBSERH não tem equipe gestora com experiência para administração de hospitais. Como é empresa nova, agregará profissionais das mais distintas culturas institucionais.
A origem da questão é o diagnóstico do governo federal, que entende que o problema dos hospitais é de gestão, de inabilidade das Universidades e de “engessamento” do RJU, e não de falta de pessoal e recursos. Os índices elevados de licença de saúde e de absenteísmo, que são problemas reais nos hospitais, também ocorrem em hospitais particulares, com trabalhadores celetistas. Tais problemas decorrem muito mais pelas condições insalubres e estressantes deste local de trabalho do que por um modelo jurídico de “gestão”. A EBSERH, por contratar celetistas terá despesas adicionais com FGTS e não terá a tão propalada “agilidade”, uma vez que precisa também contratar pessoal por concurso público, além de ter que cumprir a Lei 8.666 para compras de material e serviços. Trata-se de uma empresa de direito privado que tem o mesmo “engessamento” que a estrutura pública.[7] A EBSERH está muito longe da panaceia como é apresentada.
- O Respeito à Consulta da UFSC
Por iniciativa e autorização expressa deste Conselho Universitário, durante o mês de abril deste ano, houve consulta a comunidade sobre a adesão ou não à EBSERH. A consulta foi precedida por debates institucionais e outros debates, promovidos por Centros e por entidades.
Com o total de 8.838 votos apurados, apoiaram o “sim a EBSERH” 2.550 votos e apoiaram o “não a EBSERH” 6.171 votos, no site da Comissão estão mostrados os números parciais por Unidades e por categorias.[8] O resultado de recusa por mais de 69,82% é inequívoco para indicar a opinião da maioria da Instituição. Mesmo entre os técnicos do HU o “não” venceu por 64%. No CCS a votação foi dividida, tendo o “não” vencido entre os estudantes e técnicos e o “sim” vencido entre professores. Mesmo não se tratando de uma consulta vinculante, é importante lembrar que os mesmos argumentos que escutamos hoje pró e contra a EBSERH foram divulgados e debatidos no âmbito de nossa Instituição antes da consulta de abril. Desta forma, sim, é lícito defender que o resultado é importante para balizar os votos dos Conselheiros, que são representantes da Comunidade Universitária.
4. Uma Alternativa para o nosso HU
As observações acima colocadas não negam que o nosso Hospital Universitário passa por uma situação grave, que precisa de medidas para sua defesa, sobrevivência e ampliação, tendo em vista as necessidades dos cursos da área da saúde e as demandas da população da Grande Florianópolis e de todo o Estado de Santa Catarina.
Antes de tudo é necessário um diagnóstico mais aprofundado sobre como o nosso Hospital chegou a atual situação. Além das limitações legais e orçamentárias, problemas internos de gestão, decisões sobre a abertura e fechamento de setores e leitos, precisam ser esclarecidos. Frequentemente somos metralhados por matérias publicadas na imprensa sobre nosso Hospital e não temos informações precisas do que é feito para sua apuração e resolução. É necessário que a UFSC faça uma sindicância sobre toda a situação administrativa e gerencial do HU.
Do ponto de vista imediato, há 120 contratados via FAPEU (fls. 1742), que estão em aviso prévio com demissão prevista para dia 31 de dezembro próximo, significarão um forte baque em várias atividades do Hospital.
Para que não haja esta ruptura, com prejuízos para a população e para a UFSC, proponho que a Universidade pratique a solução que foi tomada pelo Hospital Gaffree e Ginle, da UniRio, através da contratação emergencial adotando o instrumento de contrato temporário, previsto na Lei nº 8745, destacando-se a essencialidade dos serviços dos hospitais cujas atividades não podem ser suspensas sob pena de prejuízos na manutenção da vida e saúde da população por eles atendida.[9]
No Edital de Seleção citado, o Hospital irá pontuar os candidatos que possuem já experiência em trabalho em Hospitais Universitários, o que seria uma boa chance para estas pessoas demitidas retomarem o serviço no Hospital com um contrato temporário com a UFSC, sem a intermediação da FAPEU. Esta solução depende de um esforço junto ao Ministério Público Federal para sua viabilização. Mas tendo em vista a manifestação do MPF expressa em propor a Ação Civil Pública presente nos autos deste processo (fls 1384 a 1502), assinada pelos Procuradores Maurício Pessutto, André Stefani Bertuol e Sônia Piardi, certamente haverá disposição deste órgão em amparar juridicamente as demandas legítimas da UFSC e seu Hospital.
Para médio e longo prazos o Hospital precisa ampliar leitos e contratar mais funcionários. Além da necessidade de se repactuar com o governo federal as perdas de funcionários antes de 2010, quando se introduziu o banco de equivalentes, mas ficou um passivo não contemplado de vagas. É necessário um conjunto expressivo de recursos para a ampliação de setores e abertura de novos leitos. Atualmente o melhor caminho é através de emendas parlamentares, que podem ser feitas por bancadas e/ou individuais. Os parlamentares federais tem direito a 15 milhões de reais como emenda individual para incluir em cada orçamento anual, sendo que necessariamente 50% devem ser aplicados em saúde.
Pelas atuais normas orçamentárias os Hospitais Universitários não podem receber por este percentual de saúde nas emendas. No entanto, a PEC012015 que está tramitando no Congresso, teve uma emenda aprovada pela Deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) que inclui os Hospitais Universitários na verba de saúde para efeitos de emenda parlamentar. Como nosso Hospital atende praticamente todo o Estado, as emendas parlamentares poderão criar um círculo virtuoso de ampliação do financiamento, aumento de leitos e serviços, aumento do orçamento do SUS. É uma perspectiva que vale a pena investir.
O voto
Considerando o acima exposto, tendo em vista a necessidade de continuação do HU como Hospital-Escola, dentro do SUS, dentro do RJU e dentro da UFSC, somos de parecer contrário a adesão da UFSC à EBSERH.
Florianópolis, 24 de novembro de 2015.
Prof. Paulo Pinheiro Machado
[3]Fonte:http://transparencia.gov.br/despesasdiarias/empenho?documento=154716262302015NE800079
[4] Fonte: http://sedufsm.org.br/?secao=noticias&id=3773
[6]Fonte:http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=6845
[7]http://conferenciasaude15.org.br/?p=27016
[8]http://consultapublicahu.ufsc.br/
[9] http://www.unirio.br/news/divulgado-edital-para-processo-seletivo-simplificado-para-vagas-no-hugg
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PROGRAMAÇÃO do III Simpósio Centenário do Contestado – FAFI/UNESPAR de 4 a 6 de novembro
Publicado em 22/10/2015 às 10:44III Simpósio Nacional sobre o Movimento do Contestado: Fontes, Patrimônio e abordagens sobre o conflito e a sociedade do Planalto Meridional brasileiro.
Dia 4 de novembro, quarta-feira:
Local: Anfiteatro da FAFI – União da Vitória
19h Mesa de abertura do III Simpósio:
19:30h MESA 1
DEBATES TEÓRICOS, E DISCUSSÕES HISTORIOGRÁFICAS: O CONTESTADO E SEUS CONCEITOS.
1) Título do Trabalho: “A sociedade imaginada do milenarismo: entre a Antropologia e a História” Celso Viana Bezerra de Menezes. (UEL)
2) A ideia de sertão no período republicano: apropriação e legitimação.Cristina de Moraes e Guilherme Caruso Rodrigues.
3) Franjas pioneiras, concepção de sertão: a visão de Pierre Monbeig. Guilherme Caruso Rodrigues
4) Título do Trabalho: Perspectivas de Abordagens Étnicas sobre o Contestado. Eloi Giovane Muchalovski
5) Cultura cabocla: o messianismo como elemento da cultura popular e erudita na Guerra do Contestado. Rui Bragado Sousa
Dia 5 de novembro, quinta-feira:
9:30h MESA 2:
O MOVIMENTO DO CONTESTADO E O ENSINO DE HSTÓRIA: PROPOSTAS E DISCUSSÕES
1) Releituras da guerra: Contestado em sala de aula. Bruna Letícia Colita. (FAFI-UV, UNESPAR).
2)Ensino e temporalidades: Guerra do Contestado através da literatura infantil. Karoline Fin. (UDESC).
3) “Você conhece a sua História?” O movimento do Contestado em jogo. Cristiane Aparecida Fontana Grümm e Higor Donato Lazari Conte (UTFPR- Pato Branco)
4) Questões para um material didático sobre o movimento do Contestado. Paulo Pinheiro Machado. (UFSC)
14h MESA 3:
RELIGIOSIDADE, MONGES E PATRIMONIO CULTURAL NA REGIÃO DO CONTESTADO
1) Título do Trabalho: A cruz de cedro, a gabirobeira e a capelinha: “São João Maria dormiu aqui”.Ancelmo Schorner ; Ivan Gapinski. (UNICENTRO – Irati)
2)Os apóstolos dos sertões brasileiros: uma análise sobre o método e os resultados das missões religiosas dos frades italianos no século XIX. Alexandre de Oliveira Karsburg. (UFPel)
3) Patrimônio Material e Imaterial do Contestado: Lugares de Memória de São João Maria. Márcia Janete Espig (UFPel)
15:30h – Visita aos banners de Iniciação Científica.
16hMESA 4:
FONTES IMAGÉTICAS, PAISAGEM E O ESTUDO DO MOVIMENTO DO CONTESTADO: PERSPECTIVAS E DEBATES
1) Fotografia e Guerra. Gerson Witte.(IFSC-Chapecó)
2) Uma História, muitas imagens (ou uma imagem, muitas histórias). Rita Inês Petrykowski Peixe e Analice Dutra Pillar. (IFSC- Itajaí)
3) Alusões ao Contestado nas percepções de artistas. Delmir José Valentini (UFFS – Chapecó)
4) Paisagem do Conflito no Sul do Brasil: Estudo de caso da Guerra do Contestado. Jaisson Teixeira Lino (UFFS).
19h Lançamento de livros.
19:30h MESA 5:
A REGIÃO DO CONTESTADO: POLITICA, CONFLITOS E FRONTEIRAS.
1)De Santa Cruz a Ouro Verde: o surgimento de Canoinhas transcendendo a noção do pioneiro. Alexandre Assis Tomporoski (UnC – Canoinhas).
2)A “Questão de Limites” entre Santa Catarina e Paraná (1853-1916).Francimar Ilha da Silva Petroli (UFRGS).
3)Uma guerra sem fronteiras: diplomacia e relações internacionais em meio ao movimento do Contestado . Viviani Poyer (UFSC).
4)A invasão das terras Kaingang no Brasil Joanino. As Cartas régias de Dom João VI como documento de comprovação do domínio indígena na região da Guerra do Contestado. (1808-10). Almir Antonio de Souza. (UFSC)
Sexta-feira, dia 6 de novembro.
9:30h MESA 6: A REGIÃO DO CONTESTADO: TERRA, PROPRIEDADE E CAPITAL
1)Propriedade como construção, propriedade em transição: direitos de propriedade em foco. Cristina Dallanora. (UFSC).
2)Terras para o progresso: “republicanistas”, coronelismo e exploração da região do Contestado (1912-1916). Marcelo Sabino Martins (UFMG)
3) Patriarcalismo às avessas: a mulher como protagonista nas transformações familiares decorrentes da presença do capital transnacional na região do Contestado (1910-1950).
Soeli Regina Lima (UnC – Canoinhas).
14h MESA 7:
O CONTESTADO, NARRATIVAS E MEMORIAS
1)Documentos da guerra: a construção da memória do Contestado, 1912-1916. Vagner Melo Figueiredo (UNOESTE- Mal Rondon).
2)Reafirmando velhas certezas: O IHGEP nos 70 anos do Movimento do Contestado (1986). Luiz Carlos da Silva. (UFPR).
3)“Era o sangue na mata”: as representações da Guerra do Contestado pelo desfile da escola de samba Protegidos da Princesa (2012). Willian Tadeu Melcher Jankovski Leite. (UDESC)
4) Fuzilamento “a torto e a direito”: Tertuliano Potiguara e a violência desmedida na Guerra do Contestado. Rogério Rosa Rodrigues. (UDESC)
5) Manoel Correa Defreitas: um Deputado paranaense no Contestado. Ana Vanali (UFPR)
16:30 às 17h – Intervalo.
17h Apresentação do Filme “Terra Cabocla”
18:30 h Debate sobre o Filme “Terra Cabocla”
19:30h – Encerramento.
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III Simpósio Nacional sobre o Centenário do Contestado – Chamada de Trabalhos
Publicado em 18/05/2015 às 22:55Fontes, Patrimônio e abordagens sobre o conflito e a sociedade do Planalto Meridional brasileiro. Faculdade de Filosofia, UNESPAR, União da Vitória, de 4 a 6 de novembro de 2015
Esta chamada tem como finalidade reunir em mais um evento sobre o movimento do Contestado pesquisadores, professores, estudantes de graduação e pós-graduação, para a troca de reflexões, experiências e conhecimentos sobre o estudo do movimento do Contestado e o envolvimento, antes, durante e depois da Guerra de 1912 a 1916, dos sertanejos e dos habitantes do planalto meridional em seu conjunto. Neste III Simpósio estamos focando a temática numa reflexão e análise das fontes sobre o movimento, o estudo do patrimônio material e imaterial, bem como de diferentes abordagens teórico-metodológicas para o seu estudo.
A diversificação e intensificação dos estudos sobre o movimento do Contestado e a sociedade planaltina nos seus aspectos econômicos e sociais, como a expansão da pecuária, a atividade ervateira, a tradição de João Maria, as comunidades indígenas e caboclas, o tropeirismo, a colonização de origem europeia e a circulação de pessoas, mercadorias e ideias por extensas trilhas do território tem sido estudados por um grande conjunto de pesquisadores. O Grupo de Investigação sobre o Movimento do Contestado (CNPQ) e o Departamento de História da Faculdade de Filosofia da UNESPAR de União da Vitória faz este convite a todos para esta nova jornada de estudos, debates e reflexão.
Mais detalhes em: http://simpsiocentenriocontestado1912-2012.blogspot.com.br/