A UFSC, o Hospital Universitário e a EBSERH

25/11/2015 00:51

Na reunião do Conselho Universitário do dia 24 de novembro de 2015 apresentei o seguinte parecer de vistas sobre a EBSERH:

Processo nº 23080.061734/2015-11 (Anexo Processo nº 23080.032663/2015-31), Assunto: Apreciação do processo sobre o Hospital Universitário Prof. Polydoro Ernani de São Thiago e a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares – EBSERH

Parecer de vistas

Sra. Presidenta, sras. e srs. Conselheiros(as)

            Tendo em vista a relevância deste processo para a nossa Universidade e para o Hospital Universitário, requeri vistas para levantar alternativas viáveis ao Hospital que não violem a autonomia universitária nem o Regime Jurídico Único. Divergindo do parecer original, que recomenda o início das tratativas da UFSC para adesão à EBSERH, levo ao Conselho Universitário as seguintes questões:

 A Importância da Autonomia Universitária e do RJU.

 Considerando o Art. 207 da Constituição Federal:

 “As universidades gozam de autonomia didático-científica, administrativa e de gestão financeira e patrimonial, e obedecerão ao princípio de indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão.”

            A adesão da UFSC à EBSERH significará a renúncia deste princípio ao Hospital Universitário e a todos os cursos que ele serve. A gestão financeira a patrimonial estará a cargo de uma Empresa, e não de um Diretor da UFSC e de um Conselho de Gestão, com representação dos cursos e Departamentos do CCS, como é previsto pelo atual Regimento do Hospital (art. 9). Como pode um órgão concebido como Hospital-Escola, que necessita de direta integração com os cursos aos quais é ligado, ser tomado por uma administração externa, nomeada pelo governo federal? O outro princípio constitucional, da indissociabilidade entre ensino, pesquisa e extensão, também fica comprometido.

            Conforme a proposta de Dimensionamento apresentada pela EBSERH (fls. 1710), a empresa se apresenta informando o número de 370 celetistas que promete contratar e o número de 75 Funções de Chefia (que poderá ser ocupada por funcionários cedidos por outros órgãos), que oferecerá, mas não esclarece como poderá promover uma integração acadêmica com a Universidade. É uma estrutura hierárquica de uma empresa que se impõe sobre um ambiente universitário. Uma estrutura de comando nomeada a partir de Brasília dificilmente levará em consideração as necessidades e demandas acadêmicas locais. Como veremos mais adiante, este é um importante ponto de conflito nos Hospitais Universitários onde a EBSERH já se estabeleceu.

            A autonomia universitária não é um princípio vazio ou uma mera palavra de ordem, é uma espécie de autogoverno que as Universidades historicamente conquistaram para a defesa da liberdade do pensamento e de criação científica, cultural e artística, portanto uma condição sine qua non para o cumprimento de sua missão institucional, para a proteção do pensamento livre contra estruturas de dominação políticas, econômicas e\ou religiosas.

            A ruptura com o Regime Jurídico Único é outro grave problema que virá com a adesão à EBSERH. O RJU, além de significar uma defesa para os servidores públicos docentes e técnico-administrativos, que são estáveis após o estágio probatório, significa uma defesa do serviço público contra constrangimentos de chefias internas ou forças privadas externas que podem conspirar contra a Instituição na defesa de interesses escusos. A independência de um funcionário concursado nos serviços de saúde e educação é condição precípua para a defesa do interesse público. A precarização da força de trabalho a ser contratada via EBSERH, mesmo que inicialmente ofereça melhores salários (o que é duvidoso em muitos casos tendo e vista as greves ocorridas neste ano na EBSERH), será fonte de maior rotatividade de mão de obra, com profissionais menos experientes e menos ambientados ao meio universitário, já que será necessário agir não só como profissional no Hospital, mas também em atuar em relação à atividades desenvolvidas por professores e alunos.

            Não podemos deliberar sobre este tema sem considerar o contexto político nacional. O precedente de contratação de profissionais celetistas para uma atividade fim da Universidade é muito grave e poderá, em diferentes conjunturas, ser aplicado a professores tanto nos cursos de graduação, como nos de pós-graduação. Não é insignificante que tramita no Congresso Nacional a Lei da Terceirização, que recentemente veio a público pela insistência do Presidente da Câmara, o Deputado Cunha, em coloca-la em votação. Desde 1993, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho rege a terceirização no Brasil e restringe essa prática aos serviços de vigilância e limpeza e a funções não relacionadas às atividades-fim das empresas. Quem contrata o serviço terceirizado não é responsabilizado diretamente por infrações trabalhistas da contratada, ponto mantido no PL 4330. Ou seja, dependendo da legislação, a EBSERH poderá subcontratar suas atividades, numa cadeia de transferência de responsabilidades que certamente criará problemas nos Hospitais onde atua. Investidas contra a natureza pública das Universidades Federais é que não faltam, a Câmara dos Deputados aprovou recentemente o texto-base da proposta de emenda à Constituição (PEC) que permite que as universidades públicas passem a cobrar mensalidade para cursos de extensão, pós-graduação lato sensu e mestrados profissionais. A ofensiva da EBSERH precisa ser entendida dentro deste contexto. A residência médica, podendo ser considerada como Pós-Graduação lato sensu, poderá ser uma fonte de renda para a EBSERH em todo o país.

  1. As irregularidades e problemas da EBSERH

 Pululam por todo o país denúncias sobre desmandos da EBSERH. O Deputado Ezequiel Teixeira, membro da Comissão de Fiscalização Financeira e de Controle da Câmara Federal, pediu no início deste mês de novembro ao TCU que examine com detalhe as contas da EBSERH.[1] Segundo o Deputado o governo federal, através da EBSERH não pratica uma política transparente, nem critérios claros para a distribuição de recursos no âmbito do Programa Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários Federais (REHUF).

Como Empresa pública de direito privado, a EBSERH pode ser um ponto de partida de entrada de outras empresas, subcontratadas, dentro da Universidade, como uma  espécie de “Cavalo de Tróia”.  Em Petrolina, Pernambuco, houve uma denúncia de contratação de terceira empresa para seleção de funcionários para a EBSERH, para o Hospital Universitário de Petrolina, da Universidade do Vale do rio São Francisco:

Mais uma vez a empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH) e o Hospital Universitário (HU) de Petrolina são alvo de denúncia. Agora, a reclamação parte de um técnico de enfermagem aprovado em concurso para o HU. De acordo com Ulysses Coelho, “ao invés de chamar os aprovados, a EBSERH estaria, através da Intelit (empresa sediada em Brasília e com filial em Petrolina), fazendo um contrato temporário para provimento das vagas por quatro meses.”.Ainda de acordo com Ulysses, aqueles que se dedicaram ao certame e demonstraram os conhecimentos exigidos estão sendo preteridos, possivelmente, em detrimento de pessoas alheias ao concurso. “O prazo de validade do concurso está passando e existem pessoas para serem chamadas”, disse.[2]

Embora o representante da EBSERH tenha negado as acusações, há no Portal da Transparência um contrato entre a EBSERH e a firma citada, INTELIT PROCESSOS INTELIGENTES LTDA, contrato no valor de R$ 1.575.352,11 com dispensa de licitação para a finalidade de:

Prestação de serviços de apoio administrativo, contratação emergencial de empresa especializada para a prestação de serviços continuados de apoio assistencial, com disponibilização de pessoal devidamente habilitado, visando atender às necessidades do Hospital de Ensino Dr. Washington Antônio de Barros, conforme especificações constantes no Termo de Referência e orçamento, anexados aos autos.”[3]

            Este contrato, revelado pelo Portal da Transparência, revela que a EBSERH poderá não fazer seus próprios concursos nem para seus celetistas, terceirizando seus contratados.

            Na Universidade Federal de Santa Maria, que é apresentada como “modelo” de atuação da EBSERH, informa Carlos Renan do Amaral, ex-Diretor do HUSM,  que desde que esta empresa assumiu a gestão do Hospital Universitário, não existe mais direção de ensino e pesquisa. Outro fato relevante, e que polemizou localmente, foi o contrato de convênio que a EBSERH elaborou com a UNIFRA (Centro Universitário Franciscano, instituição particular) para permitir que seus estudantes de Medicina e Enfermagem fizessem estágio no HUSM mediante pagamento de R$ 3,00 a hora\aula. Certamente é uma outra lógica de gestão. Este é um exemplo de atuação no modo “Cavalo de Tróia”.[4]

            Durante o corrente ano, o site do TST informa que houve greve em três Hospitais administrados pela EBSERH em razão de não cumprimento de cláusulas de dissídio coletivo, como reajuste salarial e itens de carreira.[5] Mesmo quando não ocorrem irregularidades, a própria lógica de gestão da EBSERH cria problemas para as atividades didático-pedagógicas dos Hospitais. Na Universidade Federal do Maranhão, informa o prof. Antônio Gonçalves Filho, com a chegada da EBSERH no Hospital Universitário, as relações entre servidores ficaram prejudicadas pelo assédio praticado pela Empresa:

“A relação profissional é de assédio moral. Ou você se submete às regras ou você está fora. O médico vai ter que se submeter às metas construídas não a partir de um pacto de discussão acadêmica, mas dentro de um gabinete”

            Além disso, o professor Gonçalves Filho detalha os problemas de ensino criados:

 “Se eu dou minha aula prática dentro do hospital, não tem como desvincular a assistência da docência. Quando era direção da universidade, nós pactuávamos. Quem fazia docência atendia oito, quem não fazia, atendia 16 pacientes. Não existe mais isso. Querem criar uma situação que nos obrigue a sair. A lógica da empresa é melhorar a gestão, fazer mais com menos”…”isso compromete o meu processo de ensino-aprendizagem porque eu vou ter menos condições de executar os procedimentos necessários para a formação de um médico.” …“Preciso pensar em novos recursos pedagógicos, rever minha prática docente, contribuir mais com a melhoria do projeto pedagógico do curso. Da forma que trabalhamos com a Ebserh no Hospital, eu não tenho mais tranquilidade para fazer isso.”[6]

            O relato acima é grave por revelar uma priorização do atendimento externo à custa da função formativa do hospital. Além das diferenças de objetivos, de prática cotidiana e de conceito de Hospital-Escola, a EBSERH não tem equipe gestora com experiência para administração de hospitais. Como é empresa nova, agregará profissionais das mais distintas culturas institucionais.

A origem da questão é o diagnóstico do governo federal, que entende que o problema dos hospitais é de gestão, de inabilidade das Universidades e de “engessamento” do RJU, e não de falta de pessoal e recursos. Os índices elevados de licença de saúde e de absenteísmo, que são problemas reais nos hospitais, também ocorrem em hospitais particulares, com trabalhadores celetistas. Tais problemas decorrem muito mais pelas condições insalubres e estressantes deste local de trabalho do que por um modelo jurídico de “gestão”. A EBSERH, por contratar celetistas terá despesas adicionais com FGTS e não terá a tão propalada “agilidade”, uma vez que precisa também contratar pessoal por concurso público, além de ter que cumprir a Lei 8.666 para compras de material e serviços. Trata-se de uma empresa de direito privado que tem o mesmo “engessamento” que a estrutura pública.[7] A EBSERH está muito longe da panaceia como é apresentada.

  1. O Respeito à Consulta da UFSC 

Por iniciativa e autorização expressa deste Conselho Universitário, durante o mês de abril deste ano, houve consulta a comunidade sobre a adesão ou não à EBSERH. A consulta foi precedida por debates institucionais e outros debates, promovidos por Centros e por entidades.

Com o total de 8.838 votos apurados, apoiaram o “sim a EBSERH”  2.550 votos e apoiaram o “não a EBSERH” 6.171 votos, no site da Comissão estão mostrados os números parciais por Unidades e por categorias.[8] O resultado de recusa por mais de 69,82% é inequívoco para indicar a opinião da maioria da Instituição. Mesmo entre os técnicos do HU o “não” venceu por 64%.  No CCS a votação foi dividida, tendo o “não” vencido entre os estudantes e técnicos e o “sim” vencido entre professores. Mesmo não se tratando de uma consulta vinculante, é importante lembrar que os mesmos argumentos que escutamos hoje pró e contra a EBSERH  foram divulgados e debatidos no âmbito de nossa Instituição antes da consulta de abril. Desta forma, sim, é lícito defender que o resultado é importante para balizar os votos dos Conselheiros, que são representantes da Comunidade Universitária.

 4. Uma Alternativa para o nosso HU 

As observações acima colocadas não negam que o nosso Hospital Universitário passa por uma situação grave, que precisa de medidas para sua defesa, sobrevivência e ampliação, tendo em vista as necessidades dos cursos da área da saúde e as demandas da população da Grande Florianópolis e de todo o Estado de Santa Catarina.

Antes de tudo é necessário um diagnóstico mais aprofundado sobre como o nosso Hospital chegou a atual situação. Além das limitações legais e orçamentárias, problemas internos de gestão, decisões sobre a abertura e fechamento de setores e leitos, precisam ser esclarecidos. Frequentemente somos metralhados por matérias publicadas na imprensa sobre nosso Hospital e não temos informações precisas do que é feito para sua apuração e resolução. É necessário que a UFSC faça uma sindicância sobre toda a situação administrativa e gerencial do HU.

Do ponto de vista imediato, há 120 contratados via FAPEU (fls. 1742), que estão em aviso prévio com demissão prevista para dia 31 de dezembro próximo, significarão um forte baque em várias atividades do Hospital.

Para que não haja esta ruptura, com prejuízos para a população e para a UFSC, proponho que a Universidade pratique a solução que foi tomada pelo Hospital Gaffree e Ginle, da UniRio, através da contratação emergencial  adotando o instrumento de contrato temporário, previsto na Lei nº 8745, destacando-se a essencialidade dos serviços dos hospitais cujas atividades não podem ser suspensas sob pena de prejuízos na manutenção da vida e saúde da população por eles atendida.[9]

No Edital de Seleção citado, o Hospital irá pontuar os candidatos que possuem já experiência em trabalho em Hospitais Universitários, o que seria uma boa chance para estas pessoas demitidas retomarem o serviço no Hospital com um contrato temporário com a UFSC, sem a intermediação da FAPEU. Esta solução depende de um esforço junto ao Ministério Público Federal para sua viabilização. Mas tendo em vista a manifestação do MPF expressa em propor a Ação Civil Pública presente nos autos deste processo (fls 1384 a 1502), assinada pelos Procuradores Maurício Pessutto, André Stefani Bertuol e Sônia Piardi, certamente haverá disposição deste órgão em amparar juridicamente as demandas legítimas da UFSC e seu Hospital.

Para médio e longo prazos o Hospital precisa ampliar leitos e contratar mais funcionários. Além da necessidade de se repactuar com o governo federal as perdas de funcionários antes de 2010, quando se introduziu o banco de equivalentes, mas ficou um passivo não contemplado de vagas. É necessário um conjunto expressivo de recursos para a ampliação de setores e abertura de novos leitos. Atualmente o melhor caminho é através de emendas parlamentares, que podem ser feitas por bancadas e/ou individuais. Os parlamentares federais tem direito a 15 milhões de reais como emenda individual para incluir em cada orçamento anual, sendo que necessariamente 50% devem ser aplicados em saúde.

Pelas atuais normas orçamentárias os Hospitais Universitários não podem receber por este percentual de saúde nas emendas. No entanto, a PEC012015 que está tramitando no Congresso, teve uma emenda aprovada pela Deputada Carmen Zanotto (PPS-SC) que inclui os Hospitais Universitários na verba de saúde para efeitos de emenda parlamentar. Como nosso Hospital atende praticamente todo o Estado, as emendas parlamentares poderão criar um círculo virtuoso de ampliação do financiamento, aumento de leitos e serviços, aumento do orçamento do SUS. É uma perspectiva que vale a pena investir.

 O voto

            Considerando o acima exposto, tendo em vista a necessidade de continuação do HU como Hospital-Escola, dentro do SUS, dentro do RJU e dentro da UFSC, somos de parecer contrário a adesão da UFSC à EBSERH.

            Florianópolis, 24 de novembro de 2015.

 Prof. Paulo Pinheiro Machado

[1] http://www.ezequielteixeira.com.br/deputado-ezequiel-teixeira-pede-auditoria-do-tcu-sobre-repasses-a-hospitais-universitarios/

[2] Fonte: http://carlosbritto.ne10.uol.com.br/aprovado-em-concurso-da-ebserh-denuncia-irregularidades-na-contratacao-para-o-hu-e-superintendencia-da-unidade-rebate-acusacoes/

[3]Fonte:http://transparencia.gov.br/despesasdiarias/empenho?documento=154716262302015NE800079

[4] Fonte: http://sedufsm.org.br/?secao=noticias&id=3773

[5]Fonte:  http://www.tst.jus.br/noticias/-/asset_publisher/89Dk/content/vice-presidente-do-tst-propoe-acordo-para-encerrar-greve-de-trabalhadores-da-ebserh

[6]Fonte:http://portal.andes.org.br/andes/print-ultimas-noticias.andes?id=6845

[7]http://conferenciasaude15.org.br/?p=27016

[8]http://consultapublicahu.ufsc.br/

[9] http://www.unirio.br/news/divulgado-edital-para-processo-seletivo-simplificado-para-vagas-no-hugg