Nota em defesa da liberdade do trabalho científico

17/07/2016 09:42

          O Conselho de Unidade do Centro de Filosofia e Ciências Humanas vem manifestar publicamente sua mais grave preocupação com as práticas da CPI da FUNAI e do INCRA, constituída a partir de outubro de 2015.
       O requerimento original que criou a Comissão já levantava a acusação de fraude contra profissionais provenientes de Universidades, sendo a UFSC nominalmente citada. Um requerimento de autoria do Deputado Valdir Colato, aprovado por esta comissão em 6 de julho do presente ano, encaminha solicitação a Polícia Federal para a abertura de investigação visando apuração dos indícios de falsidade, presuntivos de organização criminosa e lesão ao erário, sem afastar a eventual ocorrência de crimes conexos contra antropólogos e demais profissionais que participaram da elaboração do laudo da Terra Indígena do Morro dos Cavalos, sendo que da UFSC são nominalmente citados Maria Dorothea Post Darella, Aldo Litaif (servidores que durante anos foram responsáveis pelo setor de Etnologia Indígena do MArquE) e Gelci Coelho (ex- Diretor do MArquE, aposentado). Na semana anterior a este requerimento um longo e circunstanciado documento foi enviado pela UFSC para esta CPI, com toda a explicação sobre os procedimentos metodológicos, relatórios, laudos e até filmagens na região do Morro dos Cavalos, todo o acervo de estudos que a UFSC vem realizando para aquela comunidade e aquele território há mais de 30 anos, com a explicitação dos procedimentos metodológicos, das fontes e acervos, dos testemunhos e da longa relação com o Ministério Público Federal, a FUNAI e demais órgãos governamentais. Nada disso foi examinado pela CPI. O documento enviado à Polícia Federal não anexava nem citava a resposta esclarecedora da UFSC. Isto demonstra uma prática mais ligada à acusação sem provas do que a uma verdadeira investigação.
          No mesmo dia 6 de julho outro requerimento, número 292/16, de autoria do Deputado Nilson Leitão, sem maioria de votos e com conteúdo não divulgado, acabou por aprovar a quebra de sigilo fiscal e bancário de Instituições e indivíduos que defendem as causas indígenas e quilombolas. Nem mesmo os parlamentares da CPI tiveram acesso ao texto deste Requerimento, sendo que o autor admite que a ABA e outras entidades e indivíduos estão listados.
            Estas iniciativas, além de deturpar as práticas legítimas de investigação parlamentar, significam formas efetivas de intimidação do trabalho de profissionais e de estudantes graduandos e pós-graduandos da área de Antropologia e das Ciências Humanas em geral, um verdadeiro ataque à ciência e à Universidade. Igualmente preocupante é o ânimo da maioria dos parlamentares desta CPI que tem por finalidade última a revogação dos direitos territoriais que as comunidades indígenas e quilombolas conquistaram na Constituição de 1988.

Carta aberta da neta de Marc Bloch ao jornal O Estado de S. Paulo

12/07/2016 12:43

      Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.
     Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.
     O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.
     Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.
     Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!
     O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.Meu nome é Suzette Bloch. Sou jornalista e, além disso, neta e detentora dos direitos autorais do historiador e resistente Marc Bloch.
     Eu li seu editorial do dia 14 de junho sobre o manifesto dos Historiadores pela democracia. Ele me deixou estupefata e indignada. Seu jornal utiliza o nome de meu avô para justificar um engajamento ideológico totalmente oposto ao que ele foi, um erudito que revolucionou a ciência histórica e um cidadão a tal ponto engajado na defesa das liberdades e da democracia que perdeu a vida, fuzilado pelos nazistas em 16 de junho de 1944.
     O jornal recorre ao nome de Marc Bloch para responder aos historiadores brasileiros que se posicionaram contra o afastamento da presidenta Dilma Rousseff. “Pensamento único, historiadores muito bem posicionados na academia, a serviço de partidos, bajuladores do poder etc.”; seu editorial não argumenta, apenas denigre. Eis porque tiveram necessidade de se valer de uma obra de alcance universal e da vida irretocável do meu avô para tonar virtuoso seu apoio ao golpe de Estado.
     Condeno toda instrumentalização política de Marc Bloch. Para além do homem público, ele é o avô que eu não conheci, mas que nos deixou como herança a memória de uma família para a qual a liberdade representa a essência de toda humanidade. Em todo lugar, a cada instante, no Brasil inclusive. Vocês omitiram aos seus leitores o fato de que o filho mais velho de Marc Bloch, meu tio Étienne, que libertou Paris junto com a 2ª. Divisão Blindada do General Leclerc, foi o presidente do comitê de solidariedade França-Brasil nos anos 1970. Este comitê auxiliou as vítimas do regime civil-militar iniciado com o golpe de 1964 e manteve-se na luta pelo retorno da democracia brasileira. Poderiam ainda ter explicado aos seus leitores que a neta de Marc Bloch se casou com um brasileiro, Hamilton Lopes dos Santos, refugiado político do Brasil e depois do Chile, tendo chegado na França em 1973 em razão do golpe de Pinochet. Poderiam, enfim, ter anunciado que dois dos bisnetos de Marc Bloch, Iara e Marc-Louis, são franco-brasileiros.
     Conseguem imaginar a reação de meu avô diante do espetáculo dos deputados que votaram pelo afastamento de Dilma Rousseff em nome de suas esposas, de seus filhos, de Deus ou de um torturador? Imaginem ainda sua reação diante de um presidente interino que formou um governo exclusivamente de homens e cuja primeira medida foi suprimir o Ministério da Cultura e o Ministério das Mulheres, Igualdade Racial, Juventude e Direitos Humanos, suspendendo e reduzindo diversos programas sociais, como o Minha casa, minha vida. Ministros empossados são investigados por corrupção e alguns foram exonerados após a divulgação de conversas nas quais admitiam que o afastamento de Dilma não tinha senão um objetivo: parar as investigações contra a corrupção. Imaginem a reação de meu avô!
     O presidente francês, François Hollande, foi eleito com 51,9% dos votos em 2012 e sua popularidade não passava de 16% em maio. No entanto, seus adversários políticos sequer sonharam em contestar sua legitimidade conquistada nas urnas, apenas estão se preparando para as próximas eleições, como em toda democracia digna deste nome. Não pode haver democracia sem o respeito às eleições. Contudo, um grande jornal como este aplaude o confisco do voto popular.