Covid-19 – Sobre o retorno às aulas – Posição do Conselho de Unidade do CFH-UFSC
Magnifíco Reitor,
A pandemia da Covid-19 e a necessária suspensão de várias atividades presenciais pelas Instituições de Ensino Superior colocaram-nas frente a desafios de várias ordens, aos quais elas deverão responder com ações de curto, médio e longo prazos. Todas essas ações devem ser pautadas na ciência e no princípio maior de garantia da segurança da vida daqueles que compõem a comunidade acadêmica, bem como daquela outra parcela da população em geral, sempre significativa, que circula diariamente por nossos campi. Nenhuma ação que não se oriente por estes princípios merece sequer ser considerada por nós, em virtude de nossos compromissos com a razão e com os princípios do humanismo e da solidariedade social. As universidades, talvez mais do que qualquer outra instituição, têm por dever pautar suas ações pela racionalidade, pela ciência e pelo compromisso social; afinal, isso constitui nossa essência e missão.
A UFSC tomou todas as medidas para garantir a vida e a segurança sanitária da sua comunidade acadêmica, mantendo, mesmo assim, parte de suas atividades essenciais, das formas compatíveis com os recursos de que dispomos. No nível administrativo, a UFSC deu continuidade a suas atividades: processos, pareceres, formaturas, limpeza, vigilância, tudo isso que também é essencial ao dia a dia de uma instituição de ensino continuou funcionado, e bem. As tecnologias de informação permitiram que o trabalho continuasse, mesmo a distância, com a qualidade e o compromisso que sempre marcaram as universidades federais.
De outro lado, o corpo docente continuou com suas atividades de ensino, na forma de orientação de alunos (que não deixaram de ocorrer), de pesquisa e, muitas vezes, também de extensão: os professores continuaram desenvolvendo seus projetos, escrevendo artigos científicos, participando de encontros virtuais dos núcleos de pesquisa, orientando bolsistas e alunos em seus trabalhos de pesquisa e de conclusão de curso, nos diversos níveis de formação. Em resumo: mesmo sob o profundo impacto da pandemia, do perigo iminente de contaminação, da tristeza de cotidianamente ver o país e o mundo submersos em um inimaginável ambiente de mortes em proporções impensáveis, continuamos trabalhando, pois acreditamos que a Ciência e a Educação podem produzir o essencial para fazer a grandeza de uma nação. Além disso, a própria pandemia tem nos levado a outras tarefas que, em momentos de normalidade, passariam desapercebidas, como os esforços diuturnos de acolhimento e garantia de um mínimo de segurança sanitária e alimentar para uma parcela de nossos alunos que hoje se encontram em situação vulnerável. Desde a primeira suspensão das atividades presenciais, lá se vão quarenta dias. No entanto, ao contrário de alguns países da Europa, acometidos por esta epidemia mais cedo, no Brasil os gráficos sinalizam uma linha de contágio ainda ascendente, e é com muita tristeza que diariamente vemos aumentar os números de pessoas mortas pela Covid-19, sobretudo pela escassez de recursos e serviços de assistência. O colapso do sistema de saúde, público e privado, anunciado pelos epidemiologistas e sanitaristas responsáveis, já é realidade em algumas cidades e as notícias mostram que esse será o futuro imediato de grande parte dos municípios brasileiros, especialmente se alguns governantes continuarem a defender, de forma cínica e irresponsável, à margem das orientações da OMS e dos especialistas em saúde pública, o fim irrestrito do isolamento social.
Em Santa Catarina, o quadro ainda parece menos grave quando comparado a estados como São Paulo, Rio de Janeiro e Amazonas, mas continua muito preocupante, dado que estamos diante de uma epidemia de contágio silencioso, mas rápido, e de ações de prevenção cujos efeitos só mostram seus resultados semanas depois de adotadas. Assim, o que vemos hoje só ilustra as medidas e comportamentos tomados há 15 dias, mas não permite projeções sustentáveis. Muitas vezes, a realidade dessa pandemia só se mostra quando já é tarde demais, e vidas começam a ser perdidas em cadeia de agravamento de sintomas e ausência ou séria restrição no atendimento. No atual momento, o que ainda temos a fazer é evitar o ritmo de contágio, ficar em casa e seguir com rigor as medidas para isolamento social, como única alternativa de controle. Só isso fará o futuro menos dramático para Santa Catarina e para o Brasil.
No entanto, através da análise de como a epidemia se comporta nos outros países, sabemos que daqui a algum tempo o vento da morte passará, com mais ou menos impacto, a depender das medidas que tomarmos, e iremos enfim poder retornar às nossas atividades. E é aqui que se coloca o verdadeiro desafio do futuro, para o qual o CFH gostaria de contribuir: menos do que o momento do retorno, importam as condições desse necessário retorno; mais do que quando, o que temos que pensar é em como iremos voltar.
São dois, portanto, os temas que nos concernem nesta retomada das atividades, em ordem de prioridade e importância, já que o segundo não existe sem o primeiro: inicialmente, a garantia de um retorno seguro para a comunidade acadêmica e, em seguida, a garantia de qualidade do ensino.
Quanto ao primeiro tema, o retorno com segurança, temos claro que toda e qualquer proposta deve, obrigatoriamente, ser formulada por especialistas nas áreas de saúde, infectologia e epidemiologia. Temos visto o caos gerado no mundo quando não-especialistas se arvoram a falar do que desconhecem, do que ignoram, mas se arriscam em palpites infelizes e multiplicam vítimas dessa irresponsabilidade. Assim, é fundamental que as comissões ou comitês da UFSC para gerir esta crise incorporem nossos pares especialistas nas questões da saúde pública. O Centro de Ciências da Saúde é reconhecido internacionalmente e tem, com certeza, profissionais capazes de guiar a Instituição e sua administração nos caminhos que a ciência é capaz de iluminar nesta pandemia. São estes profissionais que devem dizer quando, com segurança e saúde, e com que cuidados iremos voltar. Qual a distância correta entre as pessoas em um mesmo ambiente? Quantas pessoas podem ficar num mesmo ambiente? Quais as exigências sanitárias para que espaços de convivência sejam, eventualmente, reabertos e mantidos em condições seguras? O que a Instituição deve observar para que não se transforme num local de propagação desenfreada do vírus (e da mortalidade a ele associada) na comunidade universitária e em todos aqueles que frequentam a UFSC? Tais respostas só uma comissão formada por especialistas nas áreas de epidemiologia, infectologia e saúde pública podem oferecer de modo responsável. Aos gestores, principalmente quando oriundos de outros áreas de saber, cabe ouvir os colegas e seguir suas orientações. Desta seriedade e deste compromisso com práticas orientadas por conhecimento sólido depende a vida das pessoas com as quais compartilhamos nosso cotidiano.
Quanto à segunda questão – o compromisso com qualidade de nosso ensino –temos que seguir, da mesma forma, o conhecimento sólido e acumulado por nossos especialistas. Na ânsia para encontrarmos formas de retomar o ensino de qualidade que sempre oferecemos, várias possibilidades vêm sendo aventadas, imaginadas, discutidas ao longo desses mais de 40 dias. São muitas as possibilidades e precisamos ouvir os colegas que têm expertise sobre as alternativas que imaginamos.
Muito se tem falado sobre a utilização das novas tecnologias no ensino. Antes, entretanto, de qualquer ponderação neste sentido, é preciso firmar alguns princípios que devem orientar qualquer tomada de decisão, qualquer escolha: não podemos transigir com a qualidade, não podemos fazer de conta que estamos de fato ensinando com a utilização de novas tecnologias, cujos efeitos na formação acadêmica-profissional dos nossos estudantes nós verdadeiramente desconhecemos; e, sobretudo, não podemos ignorar que parte importante de nossos estudantes de graduação, mesmo que distribuídos de modo desigual pelos Cursos de Graduação e pelos Centros de Ensinos, vivem com limitadíssimos orçamentos e sem acesso fácil e estável aos recursos computacionais e de rede necessários a certas modalidades de ensino à distância.
Firmados esses compromissos de manter a qualidade e a seriedade do ensino que oferecemos nas Universidades públicas, e sem desconsiderar a conhecida realidade socioeconômica de nossos alunos, podemos começar a nos perguntar, ou melhor, a fazer as boas perguntas a quem entende do assunto: professores, pedagogos, especialistas em ensino a distância. Quais os mecanismos, dentre os muitos disponíveis para um aprendizado não-presencial, são mais efetivos? Qual a diferença entre a carga de conteúdo possível em cada aula entre ensino a distância e atividades não presenciais? Qualquer professor pode ensinar na primeira modalidade sem qualquer capacitação? Todas as disciplinas são passíveis de serem ofertadas nessa modalidade? Qual a infraestrutura necessária, para alunos e professores? Quais os recursos pedagógicos auxiliares previstos para que se tenha um bom resultado? Em se tratando de atividades não-presenciais, de que tipo seriam? Qual a carga horária total para garantir a boa formação do estudante e o papel do professor nessa formação? Como se afere essa carga horária, levando em conta diferentes ferramentas de aprendizagem (cada qual com uma temporalidade própria)? Que cursos e disciplinas comportam essas modalidades de ensino, e em que medida e proporção, levando em conta o perfil desejado para nossos estudantes e egressos?
Essas são, a nosso entender, algumas das questões sobre as quais as comissões ou comitês da UFSC para gerir essa crise devem se debruçar, pautados pelo conhecimento dos especialistas em saúde pública e em educação. Após tudo isso, quanto às condições locais e particulares para implementação, devem ser consultados os Centros de Ensino, os Departamentos, as Coordenações de Curso, os servidores técnicos, os professores e as representações estudantis.
A decisão de quando iremos voltar depende, portanto, da definição, clara e fundamentada na ciência, de como e em que condições poderíamos voltar, considerando até a possibilidade de que a retomada possa vir a ser feita de modo gradual. Neste momento, qualquer afobamento, qualquer pressa, qualquer tentativa de responder a necessidades estranhas aos padrões de qualidade de ensino, pesquisa e extensão pelos quais nos pautamos, pode ser fatal, seja para a vida das pessoas, seja para o credibilidade dessa que é uma grande instituição de ensino superior e deve resguardar seu nome.
Por sua conhecida história de engajamento social e participação nos momentos cruciais da nossa história institucional e da vida acadêmica na UFSC, o CFH, por meio desta manifestação, construída coletivamente e aprovada por seu Conselho, se coloca mais uma vez à disposição para participar de todos os esforços possíveis, ao mesmo instante que defende, enfática e veementemente, que todas as formulações de projetos para a saída da quarentena e para o fim da suspensão de nossas atividades presenciais sejam, primeiramente, embasadas por pareceres das áreas especializadas e, em seguida, discutidas amplamente com a comunidade acadêmica, em suas diferentes instâncias colegiadas.
Na esperança de que nossa manifestação seja objeto de vossa compreensão e, compartilhada com as outras instâncias da Administração, possa ser acolhida em sua essência como uma importante contribuição no processo de tomada de decisões sobre nossas ações frente aos efeitos da Pandemia que nos assola, Receba nossos sinceros cumprimentos.
Cordialmente,
Profa. Miriam Furtado Hartung
Diretora do CFH