Discurso aos Formandos em Licenciatura e Bacharelado em História da UFSC 2025/1

21/08/2025 15:52

Queridas formandas, queridos formandos:

Em primeiro lugar quero agradecer pela deferência e gentileza do convite para Paraninfo de turma, sinto-me muito honrado e feliz com este gesto.

Hoje é dia de congratulação por vocês terem cumprido uma longa trajetória de estudos para a formação como historiadores. A educação não é apenas transmissão de conhecimentos, é uma capacidade imponderável de interagir com o mundo e com as pessoas que nos proporciona alegrias e satisfações. Na condição de Bacharéis e Licenciados em História vocês possuem condições para pesquisar e lecionar os conhecimentos adquiridos.

Com frequência nos perguntamos no íntimo: será que sou um profissional pronto?

Saibam que historiadores com décadas de trabalho também se fazem a mesma questão. A rigor, nunca estamos prontos, pois sempre há algo a aprender no vasto campo de nossa atuação e na riqueza de nossa ciência e arte, que vive em renovação. Mas vocês já dispõem das ferramentas para caminhar por conta própria e construir seus caminhos profissionais. Para os que não forem trabalhar com a História, estou certo de que esta formação sempre será importante para sua vida, independente do destino. De qualquer maneira, sempre tenham a UFSC como sua casa, retornem para cá, participem de nossos eventos, da atividade dos Laboratórios de pesquisa e da pós-graduação.

Não somos repositórios de coisas passadas, tal como um antiquário de datas e nomes, somos profissionais que pesquisam o passado para melhor compreender o presente. Nosso campo de conhecimento tem a capacidade de construir constante aumento da inteligibilidade da ação humana no mundo. A cada geração, fontes revelam novas respostas, tendo em vista a constante mobilidade de preocupações e as novas perguntas. Conhecer bem o presente só é possível com a História, assim como só podemos conhecer a História questionando nosso presente. Como dizia o historiador Marc Bloch, a mútua inteligibilidade entre passado e presente faz parte de nossa formação e nossa vida profissional.

Nos últimos anos nunca foi tão necessário argumentar pela relevância e a utilidade da História como área de conhecimento fundamental para a cidadania, a democracia e a luta por uma vida melhor. Infelizmente a História ganhou relevância pelos lamentáveis ataques e crimes desferidos contra a democracia. Passamos por um terrível período de perseguição à ciência, a memória e à Universidade. Não podemos considerar esta situação superada, tendo em vista a força política alcançada por admiradores e simpatizantes do nazifascismo entre parte das forças políticas e contingentes da população. A negação do passado é ponto de partida para quem deseja que as coisas continuem exatamente como estão. Nos perguntamos: Como chegamos a este ponto? Como pode alguém negar o Golpe Militar de 1964 e os 21 anos de crimes da Ditadura? O negacionismo histórico vai muito mais fundo: negaram os quase 400 anos de escravidão africana e o genocídio dos povos indígenas. O negacionismo não é apenas uma atitude de ignorância inocente. Ele é base para a manutenção de políticas de privilégio aos de sempre, o negacionismo é um patamar para a reprodução de injustiças e para que se renovem várias formas de opressão e a exclusão de milhões.

Há uma campanha orquestrada de forças políticas de extrema direita contra o trabalho de historiadores. O movimento “Escola Sem Partido”, a criação de escolas militarizadas construídas sem critérios,  e os constantes assédios que os educadores são expostos, se somam às iniciativas de Estados e Municípios que procuram reduzir a carga horária da História e demais ciências humanas, tentando introduzir o emprego de plataformas negacionistas como o “Brasil Paralelo” (plataforma esta que propaga o bordão: Esqueça o que falou seu professor de História, num ataque a toda a profissão, independente das diferentes vertentes teórico e metodológicas que existem.  Querem reduzir e pasteurizar o ensino de História, até o transformar em irrelevante. Portanto, ser Historiadora ou Historiador representa correr riscos, pois não vivemos numa sociedade sem controvérsias e lutas.

Aqui em nossa casa, a UFSC, também tivemos tarefas a cumprir, como deveres de memória. Nossa Instituição, como outras Universidades brasileiras, foi alvo da ação por parte de órgãos de informação e espionagem, durante a Ditadura Militar. Professores, técnicos e estudantes foram perseguidos. Em muitos momentos, os órgãos de repressão contaram com a covarde colaboração de autoridades acadêmicas para perseguir, prender e torturar. Determinados indivíduos, delataram colegas e colaboraram abertamente para o arbítrio da Ditadura e para o silenciamento e perseguição da comunidade universitária. A UFSC formou uma Comissão da Memória e Verdade que pesquisou e levantou estes abusos e ilegalidades. O Relatório Final da Comissão fez algumas recomendações que hoje começam a ser implementadas. A recente decisão do Conselho Universitário, depois do debate em 5 reuniões, de mudar o nome do Campus sede, mesmo alcançando grande consenso no meio universitário, sofreu ferrenha oposição das classes patronais de Santa Catarina e de muitos saudosos da Ditadura Militar. Não há como esquecermos destes crimes, fingir que não aconteceram só fertiliza o terreno para que novas iniciativas antidemocráticas tenham curso. Não se trata de revanchismo. Precisamos acertar as contas com o passado para poder caminhar para a construção do futuro.

A história não para. Os mais recentes atos das forças do passado foi a aliança a uma potência estrangeira para um ataque a nossa soberania, algo muito inédito está em curso. Nem mesmo em 1964 a atuação estadunidense foi tão arrogantemente explícita. Mas estes ataques devem nos ligar um alerta para historiadores. A construção de um mundo multipolar e anticolonial é um novo campo para nossas investigações, na verdade nem tão novo assim, mas intensificado com estas ações. Nossa integração com a América Latina, a África e o sul da Ásia precisa se desdobrar numa visão de mudança de foco, de mudança de paradigmas teóricos e metodológicos, como a desconstrução do eurocentrismo, origem do pensamento colonizado. O pensamento colonial nos levou ao massacre que hoje vemos em Gaza.

Não se trata apenas de defender a democracia, o que já não é pouco. A busca por uma vida melhor pode ser um caminho de orientação de nossas reflexões. Nosso ofício de historiadores pode reacender a centelha de diferentes experiências da humanidade, podemos estudar sociedades que engendraram diferentes estruturas sociais, com ou sem o Estado, a construção de uma sociedade justa nunca deve abandonar nossos horizontes.

Historiadores, agora me dirijo a vocês como colegas, tenham em mente a nossa responsabilidade como profissionais de História, nunca deixem que as forças criminosas do passado voltem a governar as mentes da nossa juventude.  A busca de um pensamento crítico e independente deve ser nossa principal missão.

Desejo uma jornada profissional com alegrias e realizações! Felicidades!